O cinismo da elite racista brasileira – dessa direita e extrema-direita imbecil – no debate sobre a questão tributária é impressionante. Repetem, de forma deslavada, que o objetivo do governo seria tirar dinheiro da população para encher os cofres públicos. Escondem deliberadamente que, no capítulo atual, o governo propõe algo bem diferente: fazer com que cerca de 140 mil contribuintes — os mais ricos — passem a pagar um pouco mais, ou comecem a pagar, para que 25 milhões de brasileiros deixem de pagar Imposto de Renda.
Ou seja, trata-se de tirar dos bilionários, dos bancos e das casas de apostas (as “Bets”), para garantir a isenção de IR a professores, médicos, cabeleireiras, eletricistas, motoristas de aplicativo, e tantas outras categorias de trabalhadores e empreendedores Brasil afora.
O sequestro do debate tributário por essa elite – com sua falsa interpretação dos fatos – busca, na verdade, esconder uma verdade simples: eles não querem pagar imposto. Querem continuar acumulando fortunas enquanto pagam, proporcionalmente, muito menos do que os pobres e a classe média. Nenhum país do mundo – esse mesmo mundo que eles adoram visitar e bajular – chegou onde chegou sem implementar um sistema tributário progressivo, baseado numa lógica elementar: quem ganha mais, paga mais.
O debate, do jeito que vem sendo intencionalmente colocado pela elite – e, logicamente, amplificado por setores da imprensa – “ignora o papel central da tributação na construção de sociedades mais igualitárias e desenvolvidas”, como bem aponta Laura Carvalho, diretora global de Prosperidade Econômica e Climática da Open Society Foundations e professora associada da FEA-USP, no prefácio do recém-lançado livro Igualdade: Significado e importância. A obra apresenta um diálogo entre Thomas Piketty e Michael Sandel, professores da Escola de Economia de Paris e da Universidade de Harvard, respectivamente.
Nessa obra, os autores chamam atenção para o fato de que não basta crescimento econômico ou redução da pobreza para que uma sociedade seja mais justa. Existe um conceito fundamental, muitas vezes ignorado: o da distância social.
E no debate atual sobre o IOF no Brasil, esse conceito salta aos olhos. Mesmo que milhões saiam da pobreza – como historicamente aconteceu nos governos do PT – o país não será justo se isso não representar, ao mesmo tempo, a redução do controle das elites sobre os espaços de decisão política e sobre a narrativa pública. Como alertam Sandel e Piketty, essa dominação “restringe a autonomia dos indivíduos, perpetuando relações de dependência e submissão”.
Por isso, dentro desse quadro analítico, é mais que acertada a decisão do governo de ingressar com uma ação no STF para derrubar a decisão do Congresso. Não apenas por representar uma clara intromissão em prerrogativas do Executivo, mas porque materializa essa imposição histórica das elites que controlam o poder e que precisam ser enfrentadas – se o objetivo for, de fato, construir uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador
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