Segunda-feira, 18 de Agosto de 2025

Artigo: ‘O que a esquerda pode aprender com as eleições bolivianas’, por Oliveiros Marques

2025-08-18 às 10:43

A vitória da direita nas eleições bolivianas traz lições importantes para a esquerda brasileira. Embora a Bolívia tenha apenas 8 milhões de eleitores – o equivalente ao eleitorado do Paraná ou do Rio Grande do Sul -, o processo eleitoral realizado no último domingo revela elementos significativos sobre como reduzir as chances de uma derrota. Lições que emergem, sobretudo, dos erros cometidos pela própria esquerda boliviana.

É inegável que a desorganização e a ausência de estratégia marcaram as campanhas progressistas. Uma miopia política impediu que se percebesse o sentimento de renovação latente entre o povo boliviano, já sinalizado há bastante tempo. Mas a derrota acachapante nas urnas não pode ser explicada apenas por isso, embora tais equívocos de análise tenham, sem dúvida, contribuído enormemente para o resultado.

Não é preciso insistir no óbvio: a divisão interna foi determinante. A esquerda se apresentou com duas candidaturas – Andrónico Rodrigues, atual presidente do Senado, e Eduardo Del Castillo, ex-ministro de Luís Arce -, ambas sem o apoio de Evo Morales. Excluído do processo eleitoral por decisão judicial que contestava, Evo conclamou abertamente seus seguidores a votar nulo.

A derrota começou a ser gestada, a meu ver, quando setores ligados ao instrumento político Movimento ao Socialismo acreditaram que poderiam suceder a Evo Morales sem negociar essa transição com o líder indígena que inaugurou o Estado Plurinacional Boliviano. Refiro-me, em especial, ao presidente Luís Arce e ao senador Andrónico, ambos eleitos no passado porque contaram com o respaldo do líder cocaleiro.

Criaturas que tentaram destronar o criador. Ambições e projetos pessoais se tornaram os alicerces de uma derrota anunciada. O resultado foi uma briga fratricida, intensificada por divergências sobre a condução do processo de mudanças iniciado em 2005, com a primeira vitória de Evo Morales.

É verdade que a insistência de Evo em manter sua candidatura contra o establishment também pesou. Mas caberia aos que buscavam concorrer criar condições para o diálogo – o que, ao que tudo indica, não ocorreu. Radicalismos de ambos os lados acabaram por inviabilizar qualquer entendimento. Sem conversas, o Evismo apelou ao voto nulo, que, sozinho, ficou em terceiro lugar. Somados aos votos das duas candidaturas de esquerda, esse campo teria chegado ao segundo turno.

A lição que fica é clara: a estratégia deve sempre nascer de uma análise concreta da realidade concreta. E o diálogo interno jamais pode ser interrompido por ambições pessoais ou interesses mesquinhos, muito menores que o projeto de transformação de uma sociedade.

Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político

*Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Portal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos termos e problemas brasileiros e mundiais que refletem as diversas tendências do pensamento.