Cada dia fica mais evidente que o esquema para meter a mão no bolso de aposentados e pensionistas do INSS foi mais uma das falcatruas planejadas e executadas pela turma que comandava a Esplanada dos Ministérios no governo anterior. Um servidor do órgão, em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, denunciou os desvios ilegais e, após sofrer ameaças de morte, procurou a Polícia Federal em setembro de 2020. Perceberam a data? Setembro de 2020, quando o presidente era Bolsonaro e o ministro da Justiça, a quem a PF é subordinada, um terrivelmente evangélico.
Esse mesmo servidor alertou sobre os descontos irregulares praticados pela CONAFER – Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais. Em janeiro de 2020, a entidade tinha 80 mil filiados com descontos nos benefícios do INSS. Em outubro do mesmo ano, já eram 250 mil. Diante da irregularidade, os servidores suspenderam o convênio que permitia os descontos e interromperam o repasse de recursos à entidade.
Foi então que o presidente do INSS à época, Leonardo Rolim – indicado por Bolsonaro -, retirou da alçada do departamento desse servidor a responsabilidade pela fiscalização da CONAFER. Com isso, os descontos foram retomados. O resultado? Uma homenagem da própria CONAFER ao então diretor de atendimento do INSS, Jobson de Paiva Sales, o mesmo que deu a canetada que reverteu a suspensão dos repasses ilegais. Não por acaso, essa foi a entidade que mais aumentou o volume de descontos.
A cronologia é clara: a roubalheira começou no governo daqueles que hoje posam de oposição. E a Polícia Federal já sabia, no mínimo desde 2021, que os crimes estavam sendo cometidos. O que foi feito? Nada. Ou melhor: algo foi feito, sim — a investigação foi arquivada. A porteira que já estava aberta foi, na verdade, escancarada.
Por isso, os descontos cresceram tanto nos anos seguintes. A sangria só foi contida quando a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal, já sob o comando do governo Lula, iniciaram uma nova investigação, culminando na deflagração da operação Sem Desconto. Não por acaso, entidades liberadas pelo governo Bolsonaro receberam R$ 2,1 bilhões, enquanto que sob Lula, o valor cai, significativamente, para R$ 235 milhões.
A essa altura, é de se imaginar que a oposição esteja se reunindo para repensar a estratégia. Porque vai ficar feio para alguns dos seus membros — inclusive para seus representantes no Senado. Talvez nem todos tivessem pleno conhecimento do esquema. Especialmente os mais afoitos, os viciados em likes, que saíram atirando nos próprios pés e nos dos aliados. Um freio de arrumação será inevitável. E o recuo, também.
Resta agora saber o que fará a bancada governista: vai apostar no aprofundamento das investigações por uma CPI no Congresso ou deixar esse papel com a PF para não desviar o foco das boas notícias que tem para apresentar?
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político