Cheguei a Brasília em fevereiro de 1991. Saí do Rio Grande do Sul ainda jovem para trabalhar no gabinete de um deputado federal do Estado. Dois anos e meio depois, já habituado à “não-rotina” do Congresso Nacional, comecei a acompanhar a CPI dos Anões do Orçamento.

Para os mais jovens, vale uma breve explicação sobre esse episódio. No final da década de 1980 e início dos anos 1990, diversos parlamentares foram flagrados desviando recursos do orçamento federal. O esquema envolvia destinação de verbas para obras realizadas por empresas previamente combinadas, que devolviam parte do valor em forma de comissões, além de emendas destinadas a falsas entidades filantrópicas ligadas a parentes e amigos. O destino dos recursos dessas entidades, como se pode imaginar, não era nada filantrópico. A fraude foi descoberta após a delação de José Carlos Alves, então assessor da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Pois bem, 30 anos depois, nos deparamos com uma situação que traz ecos desse passado. O ministro do STF, Flávio Dino, determinou o bloqueio de emendas do orçamento de 2024 destinadas a mais de uma dezena de organizações não governamentais que, segundo ele, não cumprem critérios mínimos de transparência. Supostamente, essas emendas teriam sido aprovadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado, mas parece não haver qualquer registro público de atas ou imagens das sessões em que teriam sido discutidas e aprovadas.

Uma das entidades que tiveram os repasses bloqueados é presidida por uma jovem, ex-funcionária da Assembleia Legislativa de Roraima, conhecida por exibir viagens a destinos paradisíacos em suas redes sociais. Essa mesma entidade já foi denunciada e teve os bens bloqueados pelo TCE/RR, acusada de participar de um esquema de superfaturamento envolvendo recursos da Secretaria de Cultura para a realização de shows. Uma rápida pesquisa revela que o endereço registrado da entidade abriga, curiosamente, uma academia e uma loja de roupas fitness, coincidentemente a mesma marca promovida pela presidente da entidade em suas redes.

A história estaria se repetindo? Talvez um dia saibamos, caso surja um novo José Carlos disposto a falar ou os órgãos de controle consigam seguir o rastro do dinheiro.