Passadas algumas horas, tudo é passado. Contudo, não podemos permitir que ser passado represente ser esquecido. Por isso, hoje falo de Marina. Não apenas da Marina Silva -ministra, ex-senadora, seringueira e lutadora pela causa do meio ambiente e da justiça social. Falo das Marinas que, como ela, “ousaram” ocupar um lugar de destaque em nossa sociedade machista, e daquelas que seguem na luta pelo jazigo deste mundo em que o gênero representa privilégios e discriminação.
A sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, em que senadores estrelaram mais um episódio de misoginia na Casa que deveria dar o exemplo, mostra o quanto ainda estamos longe de uma sociedade igualitária. A defesa de interesses inconfessáveis por aqueles senadores — homens brancos e bem-nascidos — fez aflorar o que de pior existe em seus interiores, deixando a verdade dos seus “eus” transparente como água. Se aquilo não foi falta de decoro, não sei o que o regimento do Senado entende por essa palavra.
A ira manifesta por aqueles senadores não estava dirigida a alguém que cumpre a sua função de defender a legislação ambiental em nosso país e provocar que todo o debate sobre desenvolvimento seja feito também sob o prisma das futuras gerações. Porque, sobre esse ponto, pode-se concordar ou não com as posições da ministra. Mas isso era um mero detalhe nas motivações que pilotaram as palavras e os gestos dos não tão nobres parlamentares.
O que estava patente, nas palavras e na expressão raivosa em seus rostos avermelhados, era o fato de aqueles homens terem de se “sujeitar” a debater com uma mulher. De origem pobre e negra, ainda por cima. Não admitem, em seu íntimo, que uma mulher seja contraponto aos seus desejos impronunciáveis publicamente. Sim, porque, se fosse um homem no contexto daquele debate, a reação deles teria sido outra. E quanto a isso, não há contestação.
O espetáculo misógino assistido neste dia não é a exceção que confirma a regra. Ele é a própria regra. Resta presente em exemplos diários, em todos os ambientes. Não é à toa que mulheres em posição de comando, nas organizações públicas e privadas, são casos raros. A sociedade patriarcal cria todo tipo de obstáculo para as mulheres – e, quando elas os vencem, sobra a violência, como vimos nesta sessão no Senado Federal.
Por isso, nos solidarizarmos com Marina é nos solidarizar com todas as mulheres. É reafirmar que o lugar das mulheres é onde elas quiserem estar.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político.
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