há 5 dias
Oliveiros Marques

É sempre muito confortável dizer que “nada justifica a violência”. Mas essa frase costuma sair, com espantosa facilidade, da boca de quem, como eu, não enfrenta a violência cotidiana do racismo. De quem nunca foi seguido num supermercado, barrado numa porta giratória ou observado com desconfiança num restaurante. É o privilégio branco falando - esse escudo invisível que permite a uns julgar a reação dos outros sem jamais experimentar a agressão que a provoca.
A atitude do deputado Renato Freitas, ao reagir fisicamente contra um agressor numa rua de Curitiba, não brotou do nada. Foi um ato de legítima defesa. Não apenas dele, pessoa física, mas de milhões de negros e negras que, todos os dias, respiram a mesma atmosfera viciada de um país estruturado para lembrar-lhes seu “lugar”. Quando um homem negro ou uma mulher negra se defende, ele carrega consigo uma história coletiva de sobrevivência. Ele responde àquele instante, mas também ao acúmulo de pequenas e grandes violências que se repetem como um eco histórico.
Não, a violência não é - e nunca deve ser - o melhor caminho. Não deve ser um exemplo a ser seguido. Todos sabemos. Mas há momentos em que o copo transborda. Momentos em que a agressão sofrida pelo racismo não encontra resistência na sociedade, nas instituições que a sustentam, na polícia, na vizinhança, nem no senso comum. E, nessas horas, a reação física acaba sendo a única linguagem que traduz, sem floreios, a brutalidade que a antecedeu. Não porque ela seja desejável, mas porque a sociedade insiste em ignorar o que a provoca.
Não conheço Renato Freitas pessoalmente. Mas, neste Dia da Consciência Negra, data que homenageia a luta de Dandara e Zumbi dos Palmares - uma luta que não excluiu a autodefesa, que não romantizou a submissão -, não posso deixar de me solidarizar com ele. A história negra no Brasil nunca foi feita de braços cruzados diante da opressão. Foi feita de resistência, coragem e, quando necessário, enfrentamento.
Renato reagiu como tantos já tiveram vontade de reagir. E, ao fazer isso, expôs uma ferida que o país insiste em maquiar: a de que exigir comportamento pacífico de quem sofre violência estrutural é apenas mais uma forma de controle. Antes de condenar quem se defende, seria sábio condenar quem agride - e, sobretudo, condenar o sistema que autoriza essa agressão.
No Brasil, onde a cor da pele ainda define a quem se dá o benefício da dúvida, chamar a reação de Renato de “exagero” é fechar os olhos para a realidade. Legítima defesa não é apenas um argumento jurídico; é, muitas vezes, um ato de preservação emocional, histórica e simbólica. E, neste 20 de novembro, reconhecer isso também é um gesto de consciência.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político.