Quinta-feira, 19 de Junho de 2025

Artigo: ‘Tá na hora da política se encontrar com o Brasil profundo’, por Oliveiros Marques

2025-06-18 às 13:13

O deslocamento de atores políticos em relação à realidade concreta e objetiva dos brasileiros e brasileiras — especialmente daqueles que atuam no Congresso Nacional — é absurdo. Como vocês sabem, trabalhei por quase duas décadas no Congresso e vi de tudo um pouco. Sou do tempo em que as meninas, sob o comando de uma senhora de feições sisudas, circulavam pelos corredores em busca de assinaturas de apoio para propostas de emendas constitucionais. Ou seja, faz tempo. E, em todo esse período, nunca percebi tamanha influência dos lobbies sobre a política como se vê hoje.

Não estou dizendo que não houvesse lobistas antes. Sempre houve. Estiveram ali, pelos corredores das comissões, pelos salões e, principalmente, pelos gabinetes. Mas a força de convencimento desses agentes de interesses privados nunca foi tão avassaladora. Se é que vocês me entendem.

Talvez a criação do orçamento secreto e das chamadas “emendas pix” tenha sido o adubo que fertilizou essa influência. Quanto mais poder se dá aos parlamentares, maior a soberba, maior a ilusão de que se bastam. E assim, vão acreditando que as ofertas dos lobistas são o que realmente importa. A ponto de emendas parlamentares para a compra de kits de robótica por prefeituras se tornarem símbolo de política pública para a educação. Só na cabeça de quem desconhece a realidade brasileira isso faz sentido. Só quem enxerga o mundo pelo fundo do bolso do paletó — aquela escuridão inebriante — pode tentar defender uma coisa dessas. E nem estou falando do superfaturamento dos kits.

A influência que antes se manifestava em forma de participação no debate público agora dita as regras. O caso mais claro está no debate das medidas de ajuste fiscal: no mesmo pacote em que topam aumentar a conta de energia elétrica e sugerem cortes em programas sociais, recusam-se a cobrar impostos dos mais ricos. Isso mostra como os Faria Limers já planilharam boa parte do Congresso Nacional. Porque não é razoável que parlamentares se oponham a cobrar imposto de quem recebeu mais de R$ 5 milhões em dividendos em um único ano — sem pagar um centavo de imposto de renda —, enquanto quem ganha R$ 4 ou R$ 5 mil contribui com o leão.

E isso precisa ser dito com todas as letras: parte significativa do Congresso Nacional está capturada pelo lobby. E não, não se trata apenas de uma disputa ideológica entre direita e esquerda. Vai além. Trata-se de capitulação. E esse debate precisa ser trazido para o chão do Brasil. Não será vencido a partir do planalto. É no Brasil profundo — onde a vida de fato acontece — que as luzes da ribalta, desse espetáculo horrível, precisam ser acesas.

Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político

*Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Portal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos termos e problemas brasileiros e mundiais que refletem as diversas tendências do pensamento.