Sexta-feira, 07 de Fevereiro de 2025

Artigo: ‘Uma ideia fora do lugar e do tempo’, por Oliveiros Marques

2025-02-06 às 11:09

Em tempos de emendas secretas, eis que surge a proposta de semipresidencialismo. Cada vez mais me convenço da verdade de uma expressão muito utilizada por um amigo: tem gente que acha bonito ser feio. Para os defensores dessa tese, não poderia haver pior momento para propor esse tipo de discussão.

A atuação de parlamentares está sendo investigada por, mais uma vez, existir a possibilidade de alguém estar metendo a mão na cumbuca do dinheiro público destinado a órgãos e entidades. Os olhos da sociedade estão abertos para o movimento que parte do STF e já colheu depoimentos de parlamentares confirmando a existência de nuvens sobre a destinação dos recursos orçamentários das emendas de comissão. Os mais experientes lembrarão dos anões do orçamento.

O semipresidencialismo, defendido pela proposta que tramita na Câmara dos Deputados, é um sistema de governo que divide o poder entre o presidente da República, eleito diretamente pela população, e um primeiro-ministro escolhido pelos senhores deputados e senadores.

Em resumo, o presidente da República comandaria as Forças Armadas e representaria o país nas relações internacionais. Já o primeiro-ministro, eleito entre deputados e senadores com mais de 35 anos, teria o poder de definir o programa de governo e, por consequência, controlar o orçamento. Aqui está o objeto de desejo.

Na minha ignorância sobre direito constitucional, imagino que, caso uma proposta dessas seja aprovada, ela deverá necessariamente passar por um referendo popular. Se o Constituinte de 1988 determinou um plebiscito em 1993 para debater a mudança de sistema, é porque o espírito daqueles que redigiram nossa Carta Magna — que ainda não foi revogada — era o de que alterações no sistema e no regime de governo só poderiam ser feitas com a anuência de sua majestade, o eleitor.

Agora, imaginemos a campanha dos opositores a essa proposta, explicando ao povo brasileiro a parte publicável dos problemas éticos e criminais na “digestão” do orçamento secreto por alguns membros do Congresso. Recursos para entidades fantasmas, para prefeituras com cobrança de comissão, para shows duvidosos, dinheiro que nunca chegou ao destino. Uma derrota anunciada.

Bota ideiazinha fora de tempo essa. A já combalida imagem do Congresso sofreria um golpe que levaria décadas para ser minimamente recuperado. Um tiro no pé. Se pudesse dar uma sugestão aos líderes e à Mesa das Casas, seria a de não dar muito gás a esse debate. Em sua própria defesa.

Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político