Antes de ingressarmos na reflexão sobre o novo feudalismo, precisamos reafirmar o otimismo na busca pelo sonho de um mundo inclusivo, justo e igualitário. Dito isto, a primeira constatação é a de que o capitalismo vive um dos seus momentos mais perversos. Entre o Feudalismo e os dias atuais são séculos de distância, mas o passado medieval nunca esteve tão presente entre nós. Como na era dos senhores feudais, o processo econômico que vivenciamos na atualidade traz uma acumulação da riqueza nas mãos de poucos, os senhores feudais da modernidade. Se no pretérito medieval a organização socioeconômica era baseada na concentração de terras, hoje, a riqueza é acumulada nas mãos dos donos das grandes corporações tecnológicas.
É inimaginável que depois dos marcos alcançados após a Revolução Industrial, com a robotização e agora, com a inteligência artificial, estamos testemunhando um verdadeiro retrocesso que claramente, nos equipara ao período das trevas feudais, nas quais a gleba da terra era o produto da riqueza e levava a humanidade a uma relação escravocrata.
O modelo que nós estamos vivendo atualmente afronta a criação republicana construída pelo desenho das lutas ao longo da História, inclusive em torno dos valores democráticos, a partir da Revolução Francesa. Os novos senhores feudais vão além das fronteiras da composição das soberanias nacionais dos países, se posicionam diante de um processo sem limites, com uma pequena diferença com relação ao feudalismo medieval. Antes o produto da dominação era a posse da terra e, hoje, são as plataformas da tecnologia.
Nesta irrefutável constatação, as plataformas controlam os dados, os movimentos, as nossas escolhas, criando verdadeiras interfaces de dependência e controle, que remetem ao retrato mais cruel do feudalismo medieval. Onde corações e mentes são usurpados. A submissão transcende a própria fronteira dos países, uma verdadeira erosão da soberania nacional, e que nos leva a convicção de estarmos sentenciados a um processo escravocrata agora, dominado pelas big techs que achatam a esfera pública dos debates da democracia.
Se formos aprofundar o tema, alguns comparativos nos ajudam a compreender a dimensão deste mercado e o poder supremo dos novos senhores feudais. Mesmo sabendo que os valores podem flutuar, conforme a situação do mercado financeiro, levantamentos divulgados demonstram que, somente em 2024, as cinco maiores big techs tiveram um crescimento de 5%. Juntas – Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Amazon e Meta (dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp) – somam mais de US$ 10,513 trilhões, mais de quatro vezes o PIB do Brasil e maior que o de toda América Latina. Com o lançamento da mais recentemente DeepSeek chinesa, o controle por esta soberania ficou ainda mais acirrado.
Neste exercício comparativo de valoração, só a Microsoft seria capaz de comprar a Petrobras e a Vale. Esses novos suseranos feudais, considerando apenas os quatro maiores, acumulam, segundo dados divulgados na imprensa, uma fortuna de US$ 887,3 bilhões, maior que o PIB anual de 175 países. Todo este ambiente nos assombra diante da dura realidade dos pequenos negócios no Brasil, especialmente para nós que acompanhamos o esforço desses empreendedores e empreendedoras, que acordam de manhã, todos os dias, e fazem do seu próprio talento a sua sobrevivência diária.
Alio-me aos pensamentos em defesa da tecnodemocracia no combate ao atual modelo escravocrata, que traz a ilusão de que o mundo mudou, que a tecnologia trouxe qualidade de vida. Em um cenário em que 95% das empresas brasileiras são de pequenos negócios, nos resta trabalhar para que as conquistas de toda humanidade não se percam pela ganância, pela exploração, pelo subemprego e pela ruptura do tecido social, onde poucos fazem fortuna e dominam à custa dos pequenos, além disso, submetem a conquista soberana das nações e do modelo republicano.