Após a prisão do homem armado durante evento da campanha eleitoral do candidato a prefeito, Marcio Pauliki, na segunda-feira (26), surgiram várias discussões nas redes sociais sobre o uso de armas no Brasil. Neste artigo, o advogado Irio Krunn esclarece as alterações vigentes do Estatuto do Desarmamento. Confira:
“Com o objetivo de procurar esclarecer as recentes discussões trazidas com o advento das várias tentativas de se facilitar a posse e o porte de armas de fogo, por parte do Governo federal, tentaremos resumir o que de mais importante se nos afigura a respeito do tema. Com efeito, as recentes inovações trazidas, não só pela recentíssima Lei n. 13.964/2019, mas ainda pelos Decretos 9797/2020 e 9785/2020, restou claro a ocorrência de alterações nos artigos 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003 – denominada Estatuto do Desarmamento. É que muitas das condutas descritas naqueles tipos penais, que antes eram consideradas crimes inafiançáveis e até hediondos, passaram a receber tratamento diferenciado após a edição dos referidos Decretos. Vejamos.
O Decreto nº 9.797/2019 traz a seguinte redação ao dispositivo que cuida das armas de uso permitido e de uso restrito, alterando anterior Decreto sobre o mesmo assunto, o já citado Decreto nº 9.785/2019: Veja-se como ficou..
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – arma de fogo de uso permitido – as armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que sejam:
a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libraspé ou mil seiscentos e vinte joules;
b) portáteis de alma lisa; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
II – arma de fogo de uso restrito – as armas de fogo automáticas, semiautomáticas ou de repetição que sejam:
a) não portáteis;
b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
Pelo que se percebe, a alteração promovida pelo decreto acima mencionado, faz incluir o calibre nominal nos conceitos de formas a possibilitar e esclarecer a adoção de critérios mais claros para se aferir a energia cinética gerada. No entanto, referida norma mantém a alteração operada na classificação de diversas armas (.40, .45 e 9mm, por exemplo), que, a partir da vigência do referido decreto, passaram a ser consideradas, não mais de uso restrito, mas de uso permitido.
Assim, para além da redução da pena – em razão da alteração da política de desarmamento, ocasionada pelo Decreto anterior e mantida agora pelo Decreto nº 9.797/2019, e que retroage para beneficiar o agente (art. 5º, inciso XL, da Constituição da República e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal), faz-se uma síntese comparativa entre o regime jurídico-penal conferido ao porte e à posse de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei nº 10.826/2003), tidos como hediondos, e ao porte e à posse de arma de fogo de uso permitido (arts. 12 e 14 da Lei nº 10.826/2003), crimes comuns nos quais passaram a se amoldar diversas condutas, após a edição do Decreto nº 9.785/2019, que ampliou a definição de arma de fogo de uso permitido, mesmo quando consideradas as alterações do Decreto nº 9.797/2019.(in Novo decreto reduzem a pena dos crimes de quem porta ilegalmente uma arma, por William Akerman Gomes).
Por outro lado, referidas alterações trazidas pelo referido decreto acabaram por retirar a hediondez do crime de posse ou de porte de arma de fogo de uso restrito, passando o artigo primeiro, parágrafo único da Lei 8072/90 (Lei dos crimes hediondos), a ter uma nova redação promovida pela Lei 13.964/20, em seu inciso II, tornando apenas a posse ou o porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no artigo no artigo 16 da Lei 10.826/2003, de 22 de dezembro de 2003, como crime hediondo.
O certo é que houveram mudanças substanciais com a edição desses decretos, tornando afiançáveis delitos que antes não o eram, uma vez que armas que antes eram de uso restrito passaram a ser de uso permitido, como, por exemplo a posse ou o porte de uma pistola de 9mm. Portanto, torna-se necessária a leitura mais acurada dos dispositivos elencados nos citados decretos para evitar-se interpretações equivocadas, uma vez que deve-se conjugar a lei juntamente com seu regulamento, vez que se trata de norma penal em branco, o que torna difícil sua interpretação isolada. Por derradeiro, faz-se necessário dizer que existem ações (ADPF) no STF, questionando vários dispositivos trazidos pelos citados decretos, visando a declaração de sua inconstitucionalidade. Seriam estas, em poucas palavras nossas observações”.
Advogado Irio José Tabela Krunn / Foto: Agência Brasil
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