O ato de amamentar traz inúmeros benefícios para o bebê, como a melhora nutricional, os efeitos protetores contra infecções mais comuns, como a diarreia e a infecção respiratória, e ainda minimiza o risco de alergias e obesidade nas crianças. Conheça mais sobre os benefícios para as crianças na primeira matéria desta série de reportagens sobre o Agosto Dourado, a campanha de incentivo à amamentação.
A amamentação traz grandes vantagens também para a mãe, como diminuição do risco de câncer de mama, ajuda no pós-parto, já que o útero se contrai e volta ao tamanho normal mais rapidamente, aumenta o fluxo de ocitocina, o hormônio do amor, evitando perdas de sangue e anemia, além de ter efeito antidepressivo. Cada vez mais, as mulheres estão se dedicando a amamentar exclusivamente até os seis meses de vida, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde.
Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil do Ministério da Saúde, com dados de 2019 e publicado em 2020, os índices de aleitamento materno estão aumentando no Brasil e mais da metade das crianças brasileiras são amamentadas no primeiro ano de vida, sendo que 45,7% das menores de seis meses recebem somente leite materno como alimento. A pesquisa ainda revela que aumentou a taxa de adesão das mulheres que promovem a amamentação exclusiva. Os dados mostram que, em 2019, a prevalência foi de 60% no Brasil.
Um estudo da Organização Mundial de Saúde com o Fundo das Nações Unidas para a Infância realizado em 2019, mostrou que as taxas globais de aleitamento materno permanecem baixas, com apenas 43% dos recém-nascidos iniciando o aleitamento materno dentro da primeira hora após o parto e 41% dos bebês com menos de seis meses de idade exclusivamente amamentados. Embora 70% das mulheres continuem amamentando por pelo menos um ano, as taxas de aleitamento materno caem para 45% aos dois anos de idade.
A farmacêutica Priscila Gomes Nóbrega sabe dos benefícios da amamentação para o seu primeiro filho, o Davi, de 4 meses. “A opção por amamentar foi exclusivamente pensando no meu filho, em todos os benefícios da amamentação. Para ser uma criança saudável, tanto fisicamente, emocionalmente e pelo vínculo que a amamentação gera”.
“Não é só o Davi que ganha. Os benefícios que geram para mim são como uma consequência, a maioria deles eu descobri até depois que já tinha iniciado a amamentação. Reuni o útil ao agradável, a gente só tem a ganhar, não tem nada que se perca com a amamentação. Inclusive tempo e dinheiro a gente ganha: o leite está prontinho, não tem que ficar carregando um monte de mamadeira”, brinca Priscila.
Ela completa: “com tudo isso não existe uma desvantagem na amamentação, um seio rachado no início, não é nada em comparação a tudo que proporciona tanto para mãe quanto para a criança”, defende.
Priscila conta como superou as dificuldades que teve no início da amamentação. “Meu leite não veio de imediato. Tive que colocar o Davi para ficar sugando mesmo, para estimular o próprio corpo. Cheguei a usar ocitocina nasal para ajudar a estimular a liberação do leite e quando ele começou, eu tive um pouquinho de dificuldade com empedramento [das mamas], depois que pegou fiquei o primeiro mês com o seio rachado, com muita dor no início da amamentação. Mas, essa dor é só no início, quando começa a sugar, logo depois, se a mulher insistir um pouquinho mais, ela vai ver que essa dor vai passar”.
A intercorrência mais comum durante a amamentação é a fissura no mamilo causada por posicionamento incorreto do bebê, anquiloglossia (língua presa) ou até mesmo algumas bombas extratoras de leite, explica a ginecologista, obstetra e mastologista Mayka Volpato, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia de São Paulo.
“Outro problema comum é a dor mamária que pode ser causada pelo excesso de produção de leite com empedramento, infecção fúngica (candidíase), dor funcional (dor da descida do leite), obstrução de ducto causando dor localizada, além das alterações no mamilo (eczemas, fissuras, psoríase, alergias)”.
Ela orienta uma avaliação médica para que intervenções precoces sejam realizadas, evitando dor crônica e desmame precoce. As orientações preventivas são feitas na maternidade e incluem avaliação da mamada, correção da pega e avaliação da língua pelo pediatra.
“Já a mastite é causada pelo trauma no mamilo associado à estase láctea (causada pela hiperprodução láctea ou não esvaziamento adequado das mamas). A prevenção é evitar as fissuras e manter as mamas esvaziadas após as mamadas ou ordenha”, orienta Mayka.
Acredita-se que 3% a 20% das mulheres desenvolvem pelo menos um episódio de mastite durante o período de amamentação. Na maioria dos casos, a inflamação ocorre nos três primeiros meses de aleitamento, podendo ocorrer em qualquer fase da amamentação inclusive no desmame.
Esvaziamento eficaz e correto da mama é essencial para o sucesso do tratamento, explica a médica Mayka Volpato no artigo Tratamento Mastite Lactacional . Segunda ela, “as mães devem ser encorajadas a amamentar mais frequentemente começando pela mama afetada e sempre ordenhar (manualmente ou com bomba) caso permaneça leite nas mamas, mantendo-as sempre esvaziadas.
“A amamentação deve continuar frequente, por exemplo, amamentar de 8 a 12 vezes por dia, a fim de promover a remoção efetiva do leite. Também pode extrair o leite do lado afetado, caso indicado, e/ou massagear, se tolerado”, completa Mayka.
Conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de mama é o mais incidente em mulheres no mundo, com aproximadamente 2,3 milhões de casos novos estimados em 2020, o que representa 24,5% dos casos novos por câncer em mulheres.
É também a causa mais frequente de morte por câncer nessa população, com 684.996 óbitos estimados para o ano passado (15,5% dos óbitos por câncer em mulheres). No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama também é o mais incidente em mulheres de todas as regiões, com taxas mais altas no Sul e Sudeste. Para o ano de 2021 foram estimados 66.280 casos novos no país, o que representa uma taxa de incidência de 43,74 casos por 100 mil mulheres.
A notícia boa vem de um estudo publicado pela revista científica Lancet em 2002, que envolveu mais de 146 mil mulheres de 30 países, e que estima que o risco de desenvolver o tumor de mama cai 4,3% a cada 12 meses de aleitamento.
A mãe de primeira viagem Priscila diz que este é outro motivo para seguir com a amamentação, a prevenção ao câncer de mama, mesmo sem ter o fator hereditário. “Não tenho nenhum caso de câncer de mama, se tiver um é na ancestralidade, então não tenho conhecimento. Com a parte paterna fui ter contato só depois de adulta, então também não sei. Mas, mesmo assim, pretendo amamentar até pelo menos quando o Davi tiver dois anos”.
A ginecologista, obstetra e mastologista Fernanda Torras explica porque a amamentação ajuda na prevenção ao câncer de mama. “A amamentação previne o câncer de mama pois durante o processo de aleitamento, as células dos ductos mamários sofrem maturação e ficam então mais protegidas para alterações celulares que levam ao câncer de mama. Além desta maturação dos ductos, durante a fase de aleitamento a mulher fica sob escassez do hormônio estrogênio que é um fator associado ao câncer de mama hormonal”.
A médica Mayka Volpato completa a explicação da colega, mas chama atenção para um fator importante, a idade da mulher ao amamentar. “As mulheres que gestaram têm mortalidade reduzida para todos os cânceres e para câncer de mama especificamente, e em particular em gravidez em idade precoce (menor que 20 anos) e amamentação prolongada. Várias hipóteses são levantadas, de que uma redução no número de células-tronco mamárias pode levar a uma redução no risco de câncer de mama em mulheres com filhos”.
Além disso, a médica completa, “a amamentação promove a diferenciação e maturação das células mamárias normais, que podem ser mais resistentes à transformação em células cancerígenas”.
A ginecologista, obstetra e mastologista Mariana Rosário concorda com a colega quanto à efetividade da prevenção ao câncer de mama para quem amamenta em idade precoce. “A questão do câncer de mama é bem polêmica, porque todos os artigos mais atuais falam que a amamentação previne o câncer de mama se acontecer antes dos 19 anos. Mas, a questão dessa proteção é que a mama só termina a sua maturação quando ela vai amamentar, então a mama de uma pessoa que ainda não amamentou vai ter células ainda imaturas que podem diferenciar e se transformar em um câncer, esse é o mecanismo colocado”, detalha.
Já os mecanismos biológicos através dos quais a amamentação pode reduzir o risco de câncer de ovário ainda não são bem conhecidos, observa a médica Mayka Volpato. “A principal hipótese até o momento se baseia na supressão da ovulação durante a amamentação, inibindo a divisão e a proliferação celular epitelial e reduzindo a carcinogênese”.
Além da diminuição do risco de câncer de mama, a amamentação ajuda no pós-parto, pois aumenta o fluxo de ocitocina – o hormônio do amor, evitando perdas de sangue e a anemia, além de ter efeito antidepressivo.
“A amamentação também ajuda a prevenir os processos inflamatórios da mama no pós-parto como mastites, aumenta o vínculo materno com o bebê, prevenindo depressão pós-parto e contribui para a perda de peso na mãe, evitando o sobrepeso e distúrbios associados como colesterol alto”, pontua Fernanda Torras.
A médica Mayka Volpato acrescenta que a amamentação auxilia na contração uterina e diminuição do sangramento vaginal no pós-parto, além de colaborar com a involução uterina – o retorno ao tamanho pré-gravídico. E reforça o papel da amamentação no tratamento e prevenção à obesidade e as doenças relacionadas.
“Como a amamentação tem um alto gasto calórico, podemos considerar como um fator facilitador para a perda de peso, combate à obesidade e consequentemente ao diabetes e à hipertensão”, detalha Mayka.
A falta de suplementação de vitaminas durante a gestação pode levar a uma anemia no pós-parto, esclarece a ginecologista Mariana Rosário. “A anemia durante a amamentação acontece se a mulher não fizer suplementação durante a gestação. Não pode ter anemia depois do parto, isso não é fisiológico, não é normal, isso é falta de atenção do obstetra”, observa a médica.
“A suplementação é importante porque o leite do bebê vai ser feito com todos os nutrientes que o corpo considerar importante para isso. E não importa se essa mãe tem ou não, o corpo vai utilizar a reserva que ela tem de nutrientes, então a mãe vai ficar espoliada [desnutrida] e o leite sempre vai ser o melhor possível para esse bebê”, detalha a Mariana.
A médica Fernanda Torras concorda que o risco da anemia pode ocorrer para quem não tem uma reserva de vitaminas e minerais, com o ferro, mineral importante para a prevenção da anemia. “Após o parto é comum uma leve queda da hemoglobina pelo sangramento no parto, tanto normal, como cesariana, e se reserva de ferro for adequada, há rápida recuperação. Porém, se a reserva de ferro for insuficiente, há maior risco de anemia no pós-parto e aleitamento”, complementa a especialista.
Segundo Fernanda, a suplementação deve ser realizada na amamentação para garantir as reservas de ferro, “ e ainda a vitamina B12, cálcio, Vitamina D, entre outros nutrientes fundamentais ao bom funcionamento do organismo materno, para não deixar a mãe entrar em desnutrição, com risco de redução da massa muscular e da massa óssea, já que a qualidade do leite é sempre mantida, mas pode deletar o organismo materno”, reforça.
Muitas mães ainda têm medo do efeito que a amamentação poderia causar, esteticamente falando, em suas mamas. Existe o mito de que a sucção da criança deixaria as mamas flácidas e caídas e uma pequena parcela de mulheres opta pelas fórmulas para evitar esse efeito. Esse é um erro de interpretação, explica a médica Mariana Rosário:
“As mulheres que já têm as mamas flácidas realmente terão o problema acentuado. Porém, as que não as têm não sofrerão do problema. A mama pode aumentar bastante, não é a sucção que vai fazer isso, pode acontecer pelo aumento do volume mamário durante a produção de leite. Depois aquela pele vai ser esticada e diminuir a produção de leite e pode ter uma certa flacidez. Mas, isso não tem nada a ver com a sucção da criança e tem muitas mulheres que não acontece isso, não é uma regra para todo mundo”.
Outro mito recorrente é do ‘leite materno fraco’. “Esse é o maior mito que existe!”, alerta Mariana. “O leite materno é o único alimento completo do mundo, capaz de ser a fonte exclusiva de nutrientes de um ser humano. Há duas situações que levam a esse entendimento errôneo. A primeira é que a produção do leite materno pode ser pouca para saciar a fome do bebê e, então, a mãe acredite que seu leite seja pouco. A segunda é que o bebê não consiga mamar adequadamente e, por isso, chore de fome, já que não se alimentou corretamente”.
A solução é insistir na amamentação, defendem as especialistas ouvidas na primeira matéria dessa série de reportagens.
Mais um mito a ser esclarecido é de que existem alimentos que ajudam a ‘aumentar o leite’. “Há mulheres que ingerem grandes quantidades de leite de vaca e canjica, por exemplo, na expectativa de aumentarem o volume de leite. Isso também não tem qualquer comprovação científica. A mulher precisa alimentar-se bem, preferencialmente com a orientação de nutricionista, para que seu organismo consiga produzir o leite. Também é preciso estar relaxada, porque o estresse impede a liberação do hormônio prolactina, responsável pela lactação”, ponderou a especialista Mariana Rosário.
Durante a gestação, a mulher pode se preparar psicologicamente para a amamentação. Trata-se de um ato de amor e muitas mulheres relatam o bem-estar imenso que sentem ao amamentar, porque o vínculo que é criado entre a mãe e o bebê é ímpar.
“A mulher pode se preparar com muita informação desde o pré-natal. E hoje a gente tem ainda a consultoria de aleitamento, então essa mulher precisa saber o que vai acontecer, como proceder em cada caso e principalmente, ter uma rede de apoio importante para ajudá-la. É importante ter alguém para apoiá-la também nesse momento, isso é o mais importante”, conclui Mariana.
Na última matéria dessa série de reportagens, vamos abordar os estudos que apontam que os anticorpos gerados pela vacina contra covid-19 podem passar para bebês pela amamentação.
da Agência Brasil