O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, pediu hoje (10) ao presidente Jair Bolsonaro que vete o Artigo 5º da Medida Provisória (MP) 1.003/2020, que dá um prazo de cinco dias para autorização de uso emergencial de vacinas contra a covid-19, desde que tenham sido aprovadas por autoridades sanitárias estrangeiras. O texto foi aprovado no Congresso no dia 4 de fevereiro e aguarda sanção presidencial.
De acordo com Barra Torres, apesar da boa intenção de dar celeridade à vacinação, a MP tira as competências da Anvisa para análise de vacinas, já que prevê apenas uma autorização, ou seja, delegando à agência uma função apenas cartorial. “No meio de uma pandemia, não é razoável que a única agência que trata objetivamente da segurança sanitária da população seja impedida por uma lei de exercer a sua função”, disse após audiência com Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Um dos efeitos possíveis da MP, segundo a Anvisa, seria a existência de duas categorias de vacinas no Brasil: as que passaram pela avaliação do produto e toda sua cadeia produtiva e outras que não tiveram qualquer avaliação sobre a origem dos insumos, condições de conservação e eficácia na população.
Segundo a MP, para ser autorizada pela Anvisa, a vacina deve ter sido aprovada por uma das seguintes agências regulatórias: Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos; European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; National Medical Products Administration (NMPA), da China; Health Canada (HC), do Canadá; The Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA), do Reino Unido; Korea Disease Control And Prevention Agency (KDCA), da Coreia do Sul; Ministério da Saúde da Rússia; e Administración Nacional De Medicamentos, Alimentos Y Tecnología Médica (ANMAT), da Argentina.
O presidente da Anvisa destacou ainda que o prazo de cinco dias é “irreal” às necessidades da agência para avaliação de um imunizante e que isso resultaria em relatórios parciais, sem análise sanitária. “Eu entendo que haveria risco sanitário para a população, sem dúvida alguma. Nós estamos falando de dossiês entre 18 mil e 20 mil páginas de cada vacina, a ser analisado por um grupo de pessoas”, explicou.
Ele lembrou, por outro lado, que a aprovação dos protocolos para uso emergencial das vacinas CoronaVac e AstraZeneca/Oxford foi realizada em nove dias, mas que essa não é a realidade. “Foi realmente um trabalho feito no limite do que é possível ocorrer. Portanto, deixamos também muito claro que esse prazo de cinco dias não atende ao que é mínimo necessário para uma análise. Agora, vejam, a questão do prazo deixa de ser importante diante da ameaça muito maior que é não poder fazer análise nenhuma”, ressaltou.
Para Barra Torres, a sinalização do presidente Bolsonaro foi positiva em direção a um possível veto “[Ele, Bolsonaro] reiterou mais uma vez aquilo que vem dizendo sempre à imprensa, que o Ministério da Saúde, portanto, o governo, só vai adquirir e incorporar no Programa Nacional de Imunizações vacinas analisadas e chanceladas pela Anvisa”, disse.
O presidente da Anvisa espera ainda que, caso aconteça, esse veto não seja derrubado pelos parlamentares, que têm a prerrogativa de analisar esse ato presidencial. Caso o texto prospere, a Anvisa vai recorrer “a todas as instâncias existentes”, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF).
O teor principal da MP é autorizar o governo federal a aderir à Covax Facility, aliança da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ajudar os países em desenvolvimento a ter acesso a vacinas contra a covid-19. A Anvisa sugere a manutenção do Artigo 3º do texto, que trata sobre a aquisição das vacinas registradas nesse órgão regulador ou que tenham autorização excepcional e temporária.
Ontem (9), entretanto, a Anvisa aprovou uma resolução que dispensa o registro e a autorização temporária de uso emergencial das vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde no âmbito da Covax Facility. De acordo com Barra Torres, nesse caso, a dispensa de análise é cabível pois os técnicos da Anvisa estão “participando em tempo real” da análise das vacinas pré-qualificadas pela aliança da OMS. “O que nós normatizamos ontem foi a morte do retrabalho. Se nós já participamos dessa análise na esfera da OMS, porque temos que fazer isso de novo? Não tem razão de ser. Dados residuais que existam são muito poucos, são muito pequenos e são rapidamente resolvidos”, explicou.
Segundo ele, isso é diferente do pedido de registro feito diretamente pelas farmacêuticas à Anvisa, que permite a comercialização entre diferentes entidades e necessita de mais análises.
A pré-qualificação Covax Facility acontece para fornecimento pela OMS diretamente a governos federais. “É um acordo internacional que visa inclusive contemplar países que têm uma dificuldade maior de aquisição de vacinas”, ressaltou.