O programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), desta terça (23), recebeu o cientista político Fábio Goiris, que é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor de Odontologia da UEPG, graduado em Direito pelo Cescage e autor do livro “Estado e política: a história de Ponta Grossa, Paraná”.
O cientista político abordou as várias nuances que podem influenciar e até mesmo determinar nossas escolhas políticas, de acordo com nossa formação ética, cultural e ideológica. Ele também discutiu como o cenário social da atualidade reflete nessas escolhas.
Polarização
Segundo Goiris, a polarização e o autoritarismo manifestos na política atual se sobressaem. “A filosofia política, mais do que a ciência política, tenta explicar por que não vivemos normalmente e por que tem que haver essa polarização e não, por exemplo, seis ou sete candidatos em equilíbrio”, aponta.
Ele cita a filósofa Marilena Chauí que, ao abordar o marxismo cultural, explica que se estabeleceu um imaginário do Brasil como um país ordeiro, de gente que não apela para a violência. “Esse Brasil imaginário entorpeceu e complicou o discurso mais verdadeiro. Como não se sabe qual é o real, então vivemos muito no imaginário e, por isso, existe a polarização. Ninguém entende direito, está de um lado e não sabe nem o porquê”, comenta.
Esse “mito fundador” apontado por Chauí, segundo o cientista político, não se sustenta. “Somos cordiais apenas no nome, mas a realidade não é essa, tanto que os brasileiros vão para Portugal, em quantidade impressionante, e não deveriam, pois o Brasil tem tudo para ser um grande país: esta é a questão”, diz.
“É tão grande a diferença entre os polarizados, mas não se justifica ter tanta violência nesse sentido”, acrescenta.
Goiris acredita que superar o mito fundador do Brasil ordeiro é difícil e que perdemos a chance de aprendermos algo com o choque de realidade que a pandemia, por exemplo, trouxe, pois esse intervalo poderia ter nos levado a refletir mais. “Mas não ajudou, porque entra outro fator, que Roberto DaMatta, sociólogo, falava: o jeitinho brasileiro”, cita.
O cientista político frisa que é tão marcante essa característica do brasileiro querer tirar vantagem – o famigerado “jeitinho” – que ela corresponde a um fator que gera xenofobia contra nós em Portugal. “Ele, permanentemente, usa o ‘jeitinho’ para resolver seus problemas, não consegue andar normalmente”, afirma.
Essa característica, porém, não se restringe ao Brasil. Goiris, que é paraguaio, mas vive no Brasil há mais de quatro décadas, desde que veio estudar Odontologia na UEPG, comenta que o mesmo elemento pode ser observado nos vizinhos paraguaios e argentinos. “A Argentina é famosa por isso: eles querem se sobrepor aos outros só no palavreado”, aponta.
Ética
Na visão do cientista, a “permissividade” da legislação brasileira favorece a aplicação do “jeitinho brasileiro”, por políticos sem ética, no uso do Fundo Partidário, por exemplo. “Nos outros países, não existem nem milhões e aqui são R$ 6 bilhões. Isso já estimula muito o uso do ‘jeitinho brasileiro’ e, antes de começar a eleição, já há uma tramoia gigantesca entre os partidos e dentro dos partidos”, cita.
De acordo com Goiris, o indivíduo já se sente atraído pela possibilidade de estabelecer carreira na política, porque existem dispositivos eleitorais, a exemplo do Fundo Partidário, que favorecem uns mais do que outros. “Se não tivesse Fundo Partidário, teríamos pouquíssimos candidatos e pouquíssimos partidos também. Temos 30 e poucos partidos. Se não tivesse Fundo Partidário, por exemplo, diminuiria enormemente”, avalia.
Cumpre observar que, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, há 32 partidos oficialmente registrados na atualidade.
Como definir um bom candidato?
“Temos que dissipar esses mitos que temos sobre nós mesmos”, afirma o cientista, que acredita que a formação ética do indivíduo influencia nessa escolha. “Veja que esse problema não é do Brasil. Os EUA escolheram o Trump, por exemplo. Então não é um problema exclusivo do Brasil”, diz.
Quanto a esses “mitos sobre si mesmo”, Goiris usa de exemplo o fato de a classe média pautar suas escolhas eleitorais na crença de que pode vir a se tornar rica. “E não vai ficar, porque o capitalismo é muito seletivo: se você não tiver herança, não vai ficar rico nunca. Mas ele se destroça, individualmente, achando que vai ter essa benesse”, complementa.
Ele analisa que essa crença pode reforçar a polarização, ao acreditar que “vai se dar muito bem” se caminhar para um lado e muito mal, se o adversário vence.
Questionado se essa polarização fortalece ou destrói a democracia, Goiris frisa que qualquer extremismo soa negativamente. Ele aponta o embate que surgiu nas últimas semanas, de cunho religioso, ao qual ele chama de “guerra santa”, entre a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a esposa do ex-presidente Lula, a socióloga Rosângela da Silva, conhecida como Janja. “Estão entrando numa guerra santa e completamente desnecessária. Uma defendendo com unhas e dentes um evangelismo que vai contra o Estado Laico. A outra, num país cristão, defendendo religiões afro-brasileiras. Veja que são dois extremos. E não vai contribuir em nada para esclarecer”, acredita.
Mesmo assim, Goiris sai em defesa de ambas e aponta que seu embate ideológico possui uma justificativa, pois está em questão o voto dos evangélicos, uma parcela da população que só cresceu nas últimas décadas. “Se tornou, digamos assim, um reduto que não se pode desprezar jamais, é muito grande. Mas para a politica, que é laica, e o Estado é laico, não interessa muito, porque vai se infiltrar e vai criar uma guerra santa. Mais um problema no Brasil. Já temos a polarização política, agora, a polarização religiosa enfiada na política não pode resultar em algo positivo”, analisa.
Nascimento da polarização
Goiris opina que a polarização entre os candidatos surgiu já em função da própria discussão sobre a viabilidade da candidatura de Lula. Vale lembrar que, já em 2018, o PT pretendia lançar Lula como candidato, algo que só se tornou viável a partir de 15 de abril de 2021, quando, por oito votos a três, o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu manter a anulação da condenação de Lula na Lava-Jato. Há quatro anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou o registro de candidatura de Lula, em função da Lava-Jato, e Fernando Haddad foi indicado para ocupar seu lugar como candidato.
“Acontece que apareceu um personagem no Brasil, que vai ficar para a história, e livros serão escritos sobre Sérgio Moro, que, de uma pessoa com alto poder de convencimento e de alto poder intelectual, se transformou em um indivíduo que talvez nem mereça mais os votos dos brasileiros. Porque ele cometeu um erro muito grave: sendo juiz, e não procurador, ele agia como procurador contra um dos réus. Isso realmente não há como se perdoar”, argumenta.
Goiris explica que, ao usar o grampo ilegal de um telefonema de Dilma Rousseff para Lula, convidando-o a ocupar um Ministério – e, assim, abrir margem para que ele pudesse ter foro privilegiado – para produzir prova contra o ex-presidente, Moro cometeu o que o direito norte-americano chama de “teoria do fruto da árvore envenenada”. “Às 11h da manhã, tinha-se cortado a possibilidade de pegar essa informação, por lei. Até 11h da manhã encerramos aqui a obtenção lícita de informação. Mas às 14h foi gravado esse diálogo, fora do momento legal. Isso envenenou todo o processo”, relembra.
Goiris defende que o STF autorizou a participação de Lula nas eleições por falta de jurisdição. “Não podemos culpar o STF de ter cometido uma barbaridade e autorizar o Lula; eles agiram estritamente dentro da lei também, dentro das brechas que existem na lei, porque são 11 [ministros], não é monocrática essa decisão”, justifica.
Influência do Congresso
O cientista político aponta que, historicamente, a resistência a firmar acordos com o Congresso, em nome da governabilidade, podem resultar em tentativas de cassação do Poder Executivo, tal como ocorreu com Fernando Collor de Mello, Lula e Dilma – ainda que Lula não tenha sofrido impeachment, não faltaram tentativas.
Goiris inclui aí a influência do Judiciário. “Lula não seria candidato se não fosse o Judiciário. O equilíbrio entre os três poderes deveria ocorrer no sentido positivo”, acrescenta.
Poder do Centrão
Ainda que aponte a importância do Judiciário no cenário político, o cientista político admite que quem realmente dá as cartas é o Legislativo. “Veja o [presidente da Câmara] Arthur Lira, por exemplo, tem um poder extraordinário, dominando o Centrão. Mas acontece que tem limitações. Se tivesse toda a força teria agora um candidato, na terceira via, disputando em igualdade com os dois [Lula e Bolsonaro] e não tem. Esta é a grande chance que tem os dois polarizados de se livrar do Centrão, se ganharem”, analisa.
“O Centrão, aparentemente, tem toda a força, porque a Democracia não pode cair num polo só, de um grupo de 30 partidos, todos coligados, e não ter um candidato efetivo. Esse era um problema para o MDB, que era assim, não tinha candidato e, quando ganhava alguém, eles dominavam a cena política”, complementa.
Venezuela
Goiris discorda da ideia disseminada pelos anti-Lula de que o PT no poder transformaria o Brasil em um país comunista ou que o tornaria “uma Venezuela”. Segundo ele, os casos da Venezuela, de Cuba e, mais recentemente, da Argentina, devem servir de experiência para que o Brasil vislumbre como contornar essas crises.
“Uma coisa é fundamental, que é o povo, os bolsões de pobreza, em quem eles votam. Não é você querer, por cima, determinar este ou aquele tipo de governo, sendo que quem vota são as massas populares”, observa.
Governo Bolsonaro
Goiris analisa como um ponto positivo do governo Bolsonaro sua defesa de que não há corrupção em seu mandato, justamente para firmar um marcador discursivo contra seu principal concorrente: Lula. “Eu, particularmente, vejo outra coisa positiva: ele eliminou os pequenos radares que, excessivamente, estão multando”, opina.
Entre os aspectos negativos, ele destaca que houve um equívoco na escolha de Ricardo Salles para a pasta do Meio Ambiente. “Naquela reunião famosa, onde ele diz que ‘onde passa um boi, passa boiada’ começou a se deteriorar todo. Ele mexeu num tema que diz respeito a todos os brasileiros, um bem extraordinário do Brasil [a Amazônia]”, afirma.
Goiris acredita que, talvez, Lula não tivesse uma vantagem tão grande sobre Bolsonaro nas pesquisas se este demonstrasse mais apreço com a questão ambiental.
“Outro problema grave do Bolsonaro foi durante o covid. Ele demorou muito na obtenção das vacinas. Isso criou, para ele, uma situação de grande desconforto. São elementos, estou pegando coisas grandes assim. Desmatamento da Amazônia, covid, sem contar as pequenas ações, como os pastores que foram beneficiados no Ministério da Educação”, salienta.
Formação e informação
O cientista político defende que a boa escolha de candidatos depende de dois fatores: formação e informação. “Antes de você ter informação, que é fácil, você precisa ter formação. A formação precisa ser ética. Como você vai sair a favor de um candidato cujos valores, para a política, não são éticos, por exemplo?”, questiona.
Goiris aponta a influência da formação na escolha do voto e ilustra com o exemplo de uma pessoa que defende valores igualitários, sem discriminação entre as pessoas. “Se um candidato é racista, você não poderia escolher esse candidato, porque tua formação te impede de escolhê-lo”, explica.
Para definir se um candidato serve, o cientista diz que o eleitor deve se perguntar: “O que me comove enquanto cidadão?”. Ainda usando como exemplo o eleitor com postura igualitária, este vai votar no candidato ou partido que defender políticas afirmativas. Se ele não defende essa postura, vai procurar um candidato que se oponha às cotas.
“A religião tem uma influência positiva, vamos dizer assim, na questão da formação. A religião católica tem todos os elementos, todos os meios de contribuir na formação da pessoa. Ela se secularizou e um exemplo é o Papa Francisco. Como ele se seculariza? Se seculariza falando de aborto, por exemplo, e se posicionando sobre isso e mantendo elementos éticos na nossa vida diária. A religião pode te ajudar a determinar que esse candidato tem um perfil que se aproxima dos teus ideais de ser humano”, aponta.
Informação
Goiris enumera quatro elementos fundamentais que compõem a informação que um indivíduo assimila: a família; a religião; a educação e os meios de comunicação. “Esses quatro elementos vão formar tua parte informativa e que vão reforçar, ou não, tua parte formativa. Você pode até mudar tua formação em função de tão importante que é a questão informativa”, destaca.
O cientista político ressalta, no entanto, que captação de informação precisa ser seletiva. “Se a informação for muito tendenciosa, você não vai poder acompanhá-la”, diz.
Ele defende, ainda, que a informação precisa ser plural. O eleitor deve se assegurar de ter fontes diversas, mesmo que divergentes. Goiris compreende que deixar de assistir à Globo, por exemplo, por discordar de seu direcionamento político, seria um erro gravíssimo. “É uma das maiores redes de TV do mundo. Isso não vai dizer que você vai seguir o que ela fala, mas a tua capacidade de discernimento só vai aumentar e melhorar se você pega todos os lados”, salienta.
Pesquisas eleitorais
Goiris observa que as pesquisas eleitorais podem não refletir, necessariamente, o que vai ocorrer nas urnas pelo fato de elas serem um mero termômetro momentâneo. Tanto que, ao longo de uma campanha eleitoral, são várias pesquisas, de periodicidade determinada, que perguntam em quem o eleitor votaria se as eleições fossem naquele dia.
“Amanhã já muda, como mudam as pessoas. Mesmo assim, têm seu valor, são muito importantes, porque as pesquisas estão cada vez mais sérias no Brasil. As pesquisas tendenciosas, mentirosas, os órgãos que faziam isso estão sendo eliminados no Brasil. Muitos institutos fecharam”, enfatiza.
Confira como foi o bate-papo, na íntegra: