Entre as consequências da pandemia de covid-19 estão os efeitos negativos na disposição física e mental de pessoas que atuam no atendimento de pacientes infectados com sars-cov-2 nos hospitais. Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP aponta que 36% dos 916 profissionais da área da saúde, que atuam na linha de frente e foram acompanhados pelos cientistas, possuem pelo menos um indicador de problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão, insônia e estresse pós-traumático. Os profissionais envolvidos na pesquisa são de todas as regiões do País e responderam questões num formulário on-line.
“Os indicativos sugerem alto nível de sofrimento psíquico em todos os grupos de diferentes profissões da área da saúde durante a pandemia, revelando que esses trabalhadores estão lidando com altas demandas de trabalho e que podem impactar a saúde mental a longo prazo”, afirma a professora Flávia de Lima Osório, da FMRP e líder da pesquisa publicada na revista Frontiers in Psychiatry.
O resultado revela ainda que 61% dos entrevistados possuem indicadores de insônia, 43% de ansiedade, 40% de depressão e 36% de estresse pós-traumático. “Entre os objetivos do estudo está o feedback sobre a condição de saúde mental dos trabalhadores, porque em nossa prática profissional, fora do contexto da pesquisa, observamos que a maior parte deles não possui a percepção de que estão em sofrimento. Por isso, optamos por conduzir um estudo que pudesse trazer o autoconhecimento aos participantes”, completa.
Fatores de risco
Entre os participantes, o problema mental mais frequente foi insônia e o menos frequente foi o estresse pós-traumático. “Taxas mais altas de insônia são um sinal de alerta relevante, considerando que a privação do sono é uma das principais causas de comprometimento do desempenho comportamental, prejudicando a qualidade do trabalho oferecido”, afirma.
Entre os fatores de risco para problemas de saúde mental estão o medo de se infectar e contaminar os familiares, trabalhar na linha de frente e realizar hora extra.
Os resultados ainda apontam que os trabalhadores da equipe de enfermagem apresentam maiores índices de ansiedade, depressão e estresse. “A maior parte deste grupo relatou atuar em hospital público, elemento que surgiu como fator de risco. Pois o contexto de um hospital público no Brasil é muito diferente de um privado em termos de recursos humanos e equipamentos”, completa.
Fatores de proteção
O estudo evidenciou que ter expectativa positiva sobre o futuro profissional foi um destaque entre os fatores listados como protetores da saúde mental. O apoio dos colegas de trabalho também surgiu como importante variável de proteção, principalmente entre os médicos.
Além disso, estar satisfeito com as medidas de proteção física adotadas pela instituição empregadora foi o fator de proteção mais importante para os grupos compostos de trabalhadores de enfermagem e trabalhadores de outras profissões.
Cerca de 50% dos voluntários indicaram baixo nível de satisfação com as medidas de segurança adotadas, relatando falta de equipamentos de proteção individual (EPIs). Além disso, 82% demonstraram insatisfação sobre os cuidados prestados quanto à saúde mental na instituição em que atuam.
“Esperamos que os achados possam contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para medidas preventivas e cuidados em nível ocupacional e institucional”, finaliza a professora Flávia de Lima Osório.
Sobre o estudo
Os dados foram coletados via formulário on-line entre 19 de maio e 23 de agosto, durante a primeira onda de casos no Brasil. Dos 916 voluntários, 41% são da enfermagem, 30% são médicos e 29% são de outras profissões, como: fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, dentistas e terapeutas ocupacionais.
“Como instrumento de avaliação, aplicamos questionários reconhecidos mundialmente e usados em diversos outros estudos no mundo. As perguntas eram sobre características sociais, demográficas, condições de trabalho, percepções sobre o medo de contaminação, além de instrumentos para avaliar os desfechos em saúde mental em ansiedade, depressão, insônia e estresse pós-traumático”, conta a professora Flávia.
O perfil dos participantes é composto de brasileiros de todas as regiões, sendo que 79% são mulheres, com cerca de 10 anos de exercício profissional e média de 35 anos de idade, aproximadamente metade são casados e 60% trabalham em instituições públicas.
O artigo Risk and Protective Factors for the Mental Health of Brazilian Healthcare Workers in the Frontline of COVID-19 Pandemic conta com a autoria dos professores Flávia de Lima Osório, Sonia Regina Loureiro, José Alexandre de Souza Crippa, Jaime Eduardo Cecílio Hallak e Antônio Waldo Zuardi, todos da FMRP e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, além das pesquisadoras Isabella Lara Machado Silveira, da FMRP, e Karina Pereira Lima, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A publicação integra o estudo longitudinal MENTALvid – Saúde Mental e Sobrecarga Emocional de Profissionais de Saúde do Brasil Envolvidos no Atendimento a Pacientes Portadores de Covid-19: Indicadores e fatores associados, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Informações Jornal da USP-Giovana Grepi. Foto: Pexels