Domingo, 15 de Dezembro de 2024

Justiça condena prefeitura a indenizar jovem que se acidentou em aparelho de ginástica quebrado

2023-03-15 às 09:40

Por entender que a responsabilidade objetiva do município independe da apuração de culpa ou dolo, a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou a cidade de São José ao pagamento de R$ 200 mil em indenização por danos morais, materiais e estéticos a um morador que ficou tetraplégico após sofrer um acidente em um equipamento de ginástica quebrado.

O desembargador Luiz Fernando Boller, relator do acórdão, citou em seu voto “a relação de causa e efeito entre a falta de manutenção em praça pública de responsabilidade do município, e o acidente que causou ao autor prejuízos de cunho moral, que não pode mais andar e nem desenvolver suas atividades normalmente”.

O município foi condenado ao pagamento de R$ 100 mil por danos morais, R$ 100 mil por danos estéticos, R$ 5,9 mil por danos materiais, uma pensão vitalícia no valor de um salário mínimo vigente (R$ 1,1 mil), que deverá ser paga retroativamente desde o dia do acidente, e os custos de uma cuidadora pelo período mínimo de quatro horas diárias até o valor de R$ 1,8 mil mensais.

A prefeitura também deverá custear de forma vitalícia três sessões semanais de fisioterapia para a vítima, que poderão ser disponibilizadas pela rede pública de saúde, e adquirir um veículo minivan adaptado com rampa de acesso para cadeirante, com preço estimado em R$ 82 mil.

O acidente
O rapaz tinha 27 anos quando caiu de um aparelho chamado simulador de caminhada em uma praça na Rua Maria de Oliveira, no bairro Potecas, em São José. O equipamento estava quebrado, sem a barra frontal de apoio. O jovem sofreu trauma raquimedular, fratura na quinta vértebra cervical e ficou tetraplégico.

Ele estava acompanhado do irmão e de um amigo, que acionaram o Samu. Em audiência, o jovem afirmou que se lembra de acordar no chão pedindo que chamassem a ambulância.

O irmão dele afirmou que o aparelho estava liberado para uso e não havia nenhum aviso proibindo ou alertando sobre o defeito.

O amigo relatou que achou que o colega tinha “tomado apenas um tombo” e ia se levantar. Ao se aproximar, encontrou-o paralisado, com dificuldade para respirar e afirmando não estar sentindo os membros inferiores e superiores.

Alegação da prefeitura
Tanto a vítima quanto a prefeitura recorreram da decisão de primeiro grau, proferida pelo juiz Otavio José Minatto, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José.

O município alegou culpa concorrente da vítima, afirmando que o rapaz “não foi diligente o suficiente ao utilizar o equipamento mesmo diante das condições inapropriadas, o que era de fácil percepção para os padrões do homem mediano, e optou por tentar praticar a atividade expondo-se a um risco desnecessário que, infelizmente, veio a concretizar-se”.

A prefeitura pediu que a vítima fizesse o recadastramento anual obrigatório no mês de seu aniversário para prova de vida, pedido que foi deferido pela decisão de segundo grau.

Vida interrompida
O rapaz trabalhava em um lava-rápido e estava mudando de emprego: começaria em uma empresa de vendas. Praticava jiu-jitsu, tocava em uma banda de pagode e tinha uma namorada.

Após o acidente, ele perdeu a função sexual, utiliza uma sonda e não tem mais o controle das fezes, motivo pelo qual passou um ano sem sair de casa.

Passou a depender dos familiares para se alimentar, fazer a barba, fazer sua higiene pessoal, não tem condições de ficar sozinho em casa, nem de trabalhar.

No processo consta que o jovem “demonstrou em audiência que consegue elevar os membros superiores, mas não abriu os dedos da mão. Tem capacidade de segurar um talher, mas os cuidados de alimentação são feitos pela mãe”.

Não há indicação de prótese, nem cirurgia, que possa ajudá-lo a recuperar os movimentos.

A estrutura da família também foi afetada pelo acidente. A mãe e o pai do jovem precisaram deixar seus empregos para se revezar nos cuidados com o filho. Apenas o irmão trabalha.

Dano estético
O dano estético pressupõe que a vítima tenha sofrido uma alteração para pior em sua aparência, de efeito prolongado ou irreversível. É previsto como uma “modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeiamento’ e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem portanto a uma dor moral”.

A Súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela possibilidade de se cumular as indenizações por dano estético e por dano moral.

Assim, o desembargador Luiz Fernando Boller afirmou que o dano estético foi “bastante evidente, pela paraplegia e pela permanente condição de ‘mãos em garra’, implicando peculiar sofrimento pela deformação física”.

“Destaca-se pelos depoimentos das testemunhas que os equipamentos estavam na praça expostos ao ar livre, com aspecto enferrujado, sem qualquer tipo de manutenção, e não sendo possível a identificação do estado precário pela falta de iluminação no local”, completou.

“Aparelhos não podem ser vistos como armadilhas, como se o usuário tivesse a obrigação de utilizá-los com prévia inspeção, em substituição ao dever de zelo municipal”, destacou o magistrado.

“O autor sofreu limitação de toda ordem no desenvolvimento de suas potencialidades como ser humano, tornando profunda a mácula em sua honra subjetiva, além da profunda tristeza, ansiedade e desespero próprios de quem se vê incapaz para tudo que a vida em sociedade reclama, agravado por sua juventude e por todos os justos anseios próprios de tal idade”, afirmou o desembargador.

do ConJur