Domingo, 20 de Abril de 2025

Projeto Agrícola Indígena do MT enfrenta entraves após anos de sucesso na luta por autonomia

Iniciativa desenvolvida por etnias Paresi, Manoki e Nambiquara em Mato Grosso supera desafios históricos, mas agora luta pela continuidade do trabalho
2025-04-10 às 17:32
Funai realiza visitas no local | Reprodução: Governo Federal

O projeto agrícola desenvolvido pelas etnias Paresi, Manoki e Nambiquara em Campo Novo do Parecis (MT) representa um marco na luta por autonomia e dignidade dos povos indígenas. Com mais de 22 anos de atuação, a iniciativa é fruto de uma decisão coletiva para enfrentar desafios históricos, como a desnutrição infantil, a evasão de homens para trabalhos externos e a falta de recursos financeiros para atender às necessidades básicas da comunidade. Porém, após anos de lutas ainda enfrentam dificuldades e entraves políticos severos que podem impedir a continuidade do trabalho.

Arnaldo Zunizaka, indígena da etnia Paresi e presidente de uma das cooperativas responsáveis pelo projeto, destacou a importância dessa atividade para o povo. “Nosso contato com os não indígenas é muito antigo, com mais de 400 anos registrados. Vivemos no Chapadão do Parecis, uma das maiores áreas agricultáveis do país. Por conta disso, tivemos grande influência dos costumes não indígenas. Na década de 70, éramos apenas 380 indivíduos. Hoje somos mais de 3 mil”, relatou.

Superação e impacto social

A criação do projeto agrícola foi impulsionada pela necessidade de combater problemas estruturais que afetavam a comunidade. “Na época, tínhamos um alto índice de mortalidade infantil por desnutrição e muitos homens precisavam deixar o território para trabalhar em fazendas ou cidades. Nosso território é marcado pelo cerrado, que limita a caça e a pesca. Decidimos criar algo que gerasse trabalho e renda dentro do nosso território”, explicou Arnaldo.

O modelo adotado envolve lavouras mecanizadas em cerca de 20 mil hectares, com produção coletiva gerida por cooperativas indígenas. Os recursos obtidos são distribuídos entre as famílias, independentemente de sua participação direta na atividade agrícola. “Este ano, distribuímos mais de R$ 6 milhões em repasses sociais para as pessoas da comunidade. Isso trouxe dignidade ao nosso povo: pais podem construir casas melhores, pagar estudos para seus filhos e garantir qualidade de vida”, afirmou.

Além disso, o projeto contribuiu para avanços educacionais significativos. “Hoje temos mais de 60 pessoas formadas em nível superior e mais de 50 acadêmicos cursando faculdade, muitos em instituições particulares custeadas pelos recursos do projeto”, ressaltou.

Desafios legais e busca por licenciamento

Apesar dos benefícios sociais e econômicos, o projeto enfrenta entraves legais relacionados ao licenciamento ambiental. Desde 2013, as cooperativas buscam regularizar as atividades junto ao Ibama. Em 2018, o órgão multou e embargou as áreas por supostas irregularidades ambientais, mas as lideranças conseguiram derrubar os embargos após apresentar defesas jurídicas e políticas.

Recentemente, no entanto, o Ibama reabriu o processo, gerando preocupações na comunidade. “Estamos sendo notificados novamente sobre algo que já foi superado. Isso soa mais como perseguição do que uma tentativa legítima de revisar o processo”, desabafou Arnaldo. Ele também destacou que o projeto segue todas as normas estabelecidas pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Federal (MPF), que proíbe o uso de transgênicos e a expansão das áreas cultivadas.

Importância do apoio governamental

O líder indígena ressaltou o apoio recebido do governo federal por meio do Plano Safra Nacional e da equipe do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Pela primeira vez tivemos acesso ao crédito agrícola com o Plano Safra. Fizemos tudo necessário para cumprir as exigências legais e agora enfrentamos essa tentativa de inviabilizar nosso projeto”, afirmou.

Para ele, impedir a continuidade do projeto seria um retrocesso histórico para os Paresi. “Sem essa atividade, voltaremos à carência alimentar e à dependência externa. Nosso povo superou problemas como alcoolismo e falta de perspectiva graças ao trabalho coletivo. Hoje temos dignidade e esperança para nossas crianças”, concluiu.

Ministro manifesta apoio

O pedido ganhou destaque após o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, demonstrar interesse no caso. Em declaração ao D’Ponta News, o ministro reforçou o compromisso do governo com a legalidade e a sustentabilidade na produção agrícola: “Quem produz dentro das normas e da legalidade terá sempre o apoio do Ministério da Agricultura. Pode ser indígena, grandes ou pequenas propriedades; quem respeita as regras terá nosso suporte.”

A equipe de jornalismo do D’Ponta News também entrou em contato com a Funai para ter detalhes do caso, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. Estamos abertos para um posicionamento oficial.