Sexta-feira, 15 de Novembro de 2024

Seis razões que dificultam impeachment de Bolsonaro

2021-07-05 às 09:50

Em meio a uma série de denúncias de possíveis ilegalidades envolvendo contratos para compra de vacinas contra covid-19, tem crescido a pressão pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro, com sucessivos protestos contra seu governo em todas as regiões do país.

Mas, apesar do aumento do desgaste de Bolsonaro e da recente apresentação por partidos de oposição do que vem sendo chamado de “superpedido de impeachment”, seguem presentes fatores que dificultam a abertura de um processo para cassar o presidente no Congresso.

Para o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), os três principais obstáculos são: a aliança de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) (única autoridade que pode iniciar o procedimento), a falta de votos suficientes entre os deputados para dar aval a um processo de cassação no Senado, e a dimensão ainda insuficiente de atos nas ruas capazes de pressionar os parlamentares a mudar de posição.

Somam-se a isso fatores adicionais como a falta de provas que confirmem cabalmente as denúncias de pedidos de propina dentro do Ministério da Saúde, a proximidade cada vez maior das eleições de 2022, e o fato de o vice-presidente, general Hamilton Mourão, não ser visto no Congresso como uma opção interessante para presidir o país.

Entenda a seguir melhor esses seis obstáculos que hoje protegem o mandato presidencial, apesar de já terem sido apresentados 125 pedidos de impeachment.

Nessas dezenas de solicitações, os denunciantes acusam o presidente de cometer crimes de responsabilidade na condução da pandemia de coronavírus (ao promover aglomerações e demorar a comprar vacinas, por exemplo), assim como por ter participado em 2020 de atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), ou ao supostamente interferir em instituições de investigação, como a Polícia Federal (PF).

1) Mais povo nas ruas

Embora os protestos de rua contra Bolsonaro tenham crescido desde maio, essas manifestações não ganharam, até o momento, a dimensão dos atos pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff em 2015 e 2016. Em um desses protestos, em março de 2016, havia 500 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, segundo estimativa do Instituto Datafolha.

Pesquisas de avaliação da popularidade do presidente também mostram que ele mantém apoio maior do que tinha a petista quando foi iniciado o processo de impeachment. Segundo recente pesquisa Ipec (instituto fundado por executivos que eram do Ibope), o governo Bolsonaro contava no final de junho com 24% de avaliação bom ou ótimo. Já em dezembro de 2015, a avaliação de positiva de Dilma era de apenas 9%, segundo pesquisa Ibope.

Para organizadores dos protestos contra Bolsonaro, em sua maioria partidos e movimentos de centro-esquerda como Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos, a pandemia de coronavírus acaba afastando parte dos opositores de Bolsonaro das ruas devido ao medo de contrair a doença nos atos – embora a convocação estimule o distanciamento entre os manifestantes e o uso de máscaras, preferencialmente modelos mais eficazes como a PFF2.

Os atos do último sábado contaram com a adesão de alguns setores da centro-direita, como o diretório municipal do PSDB em São Paulo e os movimentos Livres e Agora, numa ampliação do espectro político em relação aos protestos realizados em maio e junho.

Por outro lado, organizações que lideraram os atos contra o governo Dilma Rousseff, como MBL e Vem pra Rua, continuaram sem convocar seus apoiadores para as manifestações, embora defendam também o impeachment de Bolsonaro.

A expectativa dos grupos que já estão nas ruas pelo impeachment é que o gradual aumento do desgaste que vem sendo provocado pelas sucessivas suspeitas sobre contratos de vacinas e a atuação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid atraia cada vez mais pessoas aos atos.

A CPI estava prevista originalmente para durar até o início de agosto, mas já há apoio suficiente de senadores para que seja prorrogada por mais 90 dias. Nesta semana, estão programados depoimentos de servidores do Ministério da Saúde para dar explicações sobre as suspeitas de ilegalidade no contrato firmado em fevereiro para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin e sobre denúncias de pedidos de propina.

Regina Célia, fiscal do contrato da Covaxin, será ouvida nesta terça-feira (6/7). Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde acusado de ter pedido de propina numa oferta para compra de vacinas da AstraZeneca, prestará depoimento na quarta-feira (7/7). E, no dia seguinte, é a vez da CPI receber Carolina Palhares Lima, diretora de Integridade do Ministério da Saúde.

Além dos trabalhos da Comissão no Senado, Bolsonaro passou a ser alvo de um inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR). A investigação, aberta na sexta-feira passada (2/7) vai apurar se o presidente deixou de tomar previdências para apurar possíveis ilegalidades no contrato da Covaxin. Caso isso tenha ocorrido, ele pode ter cometido o crime de de prevaricação.

As suspeitas sobre o contrato foram levadas a ele em março pelo servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luís Cláudio Miranda (DEM-DF).

2) Votos insuficientes para aprovar impeachment

O instrumento do impeachment não foi feito para ser de fácil utilização: há necessidade de 342 votos dos 513 deputados federais para que Senado seja autorizado a processar o presidente. O objetivo é justamente trazer estabilidade ao mandato presidencial conquistado nas urnas.

Hoje, o apoio na Câmara ainda está distante desse patamar, o que deixa o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, em situação confortável para não dar andamento a pedidos de impeachment.

Na quarta-feira (30/6), partidos e parlamentares de oposição, juntos com movimentos da sociedade civil, protocolaram um “superpedido” de impeachment. No entanto, contabilizando os deputados das siglas que assinaram o pedido (PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL, Cidadania, Rede, PCO, UP, PSTU e PC) mais os deputados que apoiaram a iniciativa individualmente, como Joice Hasselmann (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP), esse grupo soma pouco menos de 140 congressistas na Câmara.

O apoio que tem hoje no Congresso começou a ser construído há cerca de um ano, quando Bolsonaro buscou uma aliança com os partidos do Centrão por meio da distribuição de cargos na máquina federal entre indicados de parlamentares e do aumento da liberação de verbas para redutos eleitorais de congressistas aliados.

A aproximação visou a construção de uma base para aprovar pautas de interesse do governo e a proteção contra um processo de impeachment depois da prisão de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador de um esquema de rachadinha (desvio de recursos) do antigo gabinete de deputado estadual de um de seus filhos, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

“Os principais fatores que impedem o impeachment são a inexistência de manifestações de rua de grandes proporções, tal como se deu no impeachment de Dilma, e falta de apoio suficiente no Congresso. A maioria parlamentar que o presidente construiu a partir de junho do ano passado não se desestruturou ainda”, afirma o cientista político Antonio Lavareda.

3) A agenda própria de Lira

A ampla articulação construída por Arthur Lira para sua eleição, com apoio do Palácio do Planalto, lhe permitiu imprimir um ritmo acelerado para a aprovação de propostas na Câmara, incluindo pautas controversas.

Os deputados aprovaram este ano, por exemplo, a flexibilização do licenciamento ambiental e a revisão da lei de improbidade administrativa – as duas propostas ainda serão analisadas no Senado. Além disso, as duas Casas do Congresso aprovaram a privatização da Eletrobras.

Se Lira decidisse abrir o processo de impeachment, na prática isso significaria frear essa intensa agenda de votações para que os deputados focassem na análise das denúncias contra o presidente.

“O Arthur Lira está tocando sua agenda e essa situação, até agora, pareceu confortável para ele”, nota Lavareda.

Na semana passada, o próprio presidente da Câmara enfatizou o foco na aprovação de “reformas”.

“Aqui seguimos a pauta do Brasil, das reformas e dos avanços. Respeito a manifestação democrática da minoria. Mas um processo de impedimento exige mais que palavras. Exige materialidade”, afirmou ao portal G1 o presidente da Câmara, após a entrega do “superpedido” de impeachment.

4) Necessidade de provas que comprovem as denúncias

Embora tenham se acumulado nos últimas duas semanas indícios de possíveis ilegalidades nos contratos para compra de vacinas, parlamentares consideram que não há ainda prova cabal de corrupção nesses negócios, nem de envolvimento direto de Bolsonaro.

O líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões Júnior (AL), disse à BBC News Brasil que as denúncias são graves, mas considera necessário aguardar a conclusão da investigação da CPI para avaliar se há provas de ilegalidades. Prevista para durar até o início de agosto, a comissão deve ser prorrogada por mais 90 dias.

“Não é o momento ainda de discutir isso (impeachment). Tem que ter um ambiente político, de (manifestações contra Bolsonaro nas) ruas principalmente. E o ponto principal é a comprovação de crime. Mas, pelo que me consta até agora, está em fase de denúncia, não é uma conclusão de investigação”, ressaltou.

Os defensores do impeachment, por outro lado, consideram que já há elementos suficientes para iniciar um processo contra Bolsonaro.

“Para o impeachment, o presidente ter sido omisso em relação a um esquema de corrupção que havia em seu governo já caracteriza um crime de responsabilidade”, nota Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Pauo (USP) e autor do recém-lançado livro “Como Remover um Presidente: Teoria, História e Prática do Impeachment no Brasil”.

Os que pedem sua cassação argumentam também que já há provas suficientes de outros crimes de responsabilidade, como sua atuação na condução da pandemia, ao promover remédio sem eficácia contra covid-19, estimular aglomerações e boicotar a vacinação da população.

Apesar disso, o professor da USP explica que, historicamente, escândalos de corrupção são um fator importante para aprovação de um impeachment, o que aumenta a importância de provas contra o governo Bolsonaro para impulsionar um processo contra ele. No caso de Dilma Rousseff, a presidente foi cassada sob a justificativa de que gestão ilegal das contas públicas, mas as denúncias da Operação Lava Jato de desvios na Petrobras foram fundamentais para impulsionar sua cassação.

“Corrupção tem peso importante, não necessariamente como fundamento jurídico, mas seguramente como impulso político. Gera escândalo, derruba popularidade e torna mais custoso manter-se associado ao presidente”, reforça Mafei.

5) Governo Mourão “não enche os olhos” do Congresso

Em recente entrevista à BBC News Brasil, o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ressaltou como um das diferenças entre o contexto que levou à cassação de Dilma Rousseff e o contexto que preserva o mandato de Bolsonaro é o perfil bastante diverso dos seus vice-presidentes.

No caso da petista, seu vice era Michel Temer, um homem da política, que presidia até então o maior partido do país (MDB) e havia comandado a Câmara três vezes quando era deputado federal. Ou seja, era uma pessoa que sabia negociar com os parlamentares e atuou ativamente para articular o impeachment da presidente.

Já o vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, “não é uma pessoa ligada ao Congresso Nacional”, resumiu Maia.

O fato de ele ser do Exército agrada menos ainda, disse também à BBC News Brasil o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP). Para ele, os parlamentares não tem clareza sobre o que seria um governo Mourão.

“Oficialmente, estaríamos pondo os militares no poder”, diz, com desconfiança.

6) Eleição de 2022 cada vez mais próxima

O correr do tempo também joga a favor de Bolsonaro. Quanto mais o país se aproxima da eleição de 2022, menos atraente fica a ideia de iniciar um processo para alguns parlamentares, acredita Paulinho da Força.

Na sua visão, o melhor é uma frente ampla derrotar Bolsonaro nas urnas, para evitar também que ele possa assumir um discurso de “vítima de golpe”, caso ocorra um impeachment.

“Acho que no momento não há clima nem voto para aprovar impeachment no Congresso. Estamos há um ano e três meses das eleições e impeachment não é um processo simples. Não é uma coisa que você instala hoje e caça o cara amanhã. Então, isso levaria a votação do impeachment lá para a véspera da eleição”, argumenta.

O partido de Paulinho da Força ainda não decidiu quem apoiará em 2022, mas tende a se aliar ao PT, que deve lançar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos bastidores de Brasília, alguns questionam o real apoio do petista ao impeachment de Bolsonaro, pois consideram que Lula estaria mais interessado em manter a disputa de 2022 polarizada entre ele e o atual presidente. As pesquisas hoje mostram o petista com boas chances de vitória na próxima eleição presidencial.

O ex-presidente, porém, tem se colocado oficialmente a favor do impeachment.

“Parabenizo as forças de oposição ao Bolsonaro e os movimentos sociais que conseguiram unificar os mais de 120 pedidos de impeachment pra pressionar o Lira. Espero que as manifestações de rua convençam o presidente da Câmara a colocar em votação”, disse Lula em sua conta no Twitter, após a apresentação do “superpedido” de impeachment.

do Terra