Evandro Santo, de 46 anos, é direto ao dizer que “sair do armário como gay” foi fácil, mas se assumir como adicto foi um dos maiores desafios de sua vida. O comediante, que ficou famoso no começo dos anos 2000 com o personagem Christian Pior, no “Pânico na TV”, gravou um vídeo recentemente contando que sofre com o vício em drogas há anos e que está em sua quinta internação . O humorista lembra que chegou até a ter um AVC na frente de Faustão quando o entrevistou no casamento de Emerson Fittipaldi após cheirar cocaína.
Após anos trabalhando na televisão, teatro e rádio com humor, a mensagem que ele quer levar para a mídia agora é outra: a conscientização sobre saúde mental e dependência química.
Além do “Pânico”, o humorista já trabalhou no “Melhor da Tarde”, “Programa do Ratinho” e foi participou de “A Fazenda 10”, mas há dois meses ele se afastou voluntariamente dos holofotes para encarar a reabilitação. Evandro está na Clínica Amoreira, localizada em Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo. O iG Gente foi conhecer o espaço e conversou com o comediante.
O espaço, fundado por um adicto em recuperação há 24 anos, é focado em um tratamento humanizado para pessoas com dependência química e outros transtornos de saúde mental. O local lembra um hotel fazenda, com os quartos espalhados em uma grande área verde e arborizada. Os acolhidos, como são chamados os pacientes, vivem uma rotina regrada em atividades terapêuticas, horários para as refeições e consultas com psicólogos, psiquiatras, terapeutas e enfermeiros. Foi durante o tempo livre entre as aulas da manhã e da tarde que a reportagem se encontrou com Evandro.
O humorista conta que já passou por outras reablitações anteriormente, mas essa é a primeira vez que decidiu se internar em uma clínica voluntariamente. Evandro era viciado em ketamina, droga usada como anestésico em cavalos e que tem efeito relaxante. Ele conta que gastava de R$ 800 a R$ 1000 por semana com o medicamento e também tinha começado a cheirar cocaína para estimular o corpo “quando estivesse muito dopado de ketamina”. Além disso, tomava 30 gotas de Rivotril para conseguir dormir.
O ex-Pânico já havia conhecido a Clínica Amoreira em 2020, antes do espaço estar funcionando. Ele é amigo do fundador, o terapeuta holístico conhecido como Moreira, e mandou um áudio para o dono da clínica às 2h da madrugada, quando estava chapado, pedindo ajuda. Ele foi convidado para se internar e decidiu aceitar a proposta.
Ao contrário das quatro vezes anteriores, Evandro fala que não sofreu com abstinência ou fissura. O comediante considera que essa é a primeira vez que se internou de fato, pois está assimilando o tratamento e realmente deseja se manter limpo e em recuperação. O terapeuta Denis Baumgarten, que trabalha com os acolhidos da clínica, analisa que as internações anteriores podem ter ajudado nesse processo de entendimento e estão facilitando a recuperação desta vez.
Evandro Santo conta que aprendeu em sua quinta internação como o passado dele influenciou na adicção. Ele foi criado pelos tios avós nos primeiros anos de vida, mas voltou a viver com a mãe quando tinha cinco anos. Aos 14, saiu da casa em Uberaba e mudou-se para São Paulo sem nem ter onde ficar, pois na época a mãe não aceitava a homossexualidade do filho. Mesmo com a juventude tumultuada, o humorista não usou drogas e só foi experimentar álcool aos 25 anos, quando decidiu tomar “um porre para superar um pé na bunda”.
Mesmo que não fizesse uso de substâncias, o humorista percebe hoje que já tinha um comportamento de adicto desde a infância quando estudava balé. “Eu precisava de três ou quatro escolas de balé, saia de uma e ia para outra. Quando eu era adolescente, era sexo. Era a pessoa mais trepadeira de Uberaba. Depois era trabalho, tinha que ter dois ou três empregos. Teve uma época que eu misturei tudo: sexo, trabalho, balé e diversão”, conta.
A primeira vez que Evandro usou uma droga ilícita foi em 1999, quando foi a uma rave com uma amigo e tomou ecstasy. Ele recorda que no começo controlou o consumo de drogas e só usava ecstasy uma vez por ano. Foi somente em 2003 que começou a usar em um intervalo menor de tempo, como a cada 15 dias. Entretanto, essa não é a droga de preferência do humorista. Ele é hiperativo e foi a ketamina que o fisgou, justamente pelo efeito relaxante da substância.
Segundo ele, começou a usar drogas porque queria se encaixar em um grupo de amigos e andar com as pessoas que considerava “as mais legais da boate”. Porém, não gostou dos efeitos da ketamina da primeira vez que usou a droga. Foi em 2007, quando fazia muito sucesso no “Pânico”, e estava passando por uma fase complicada com a mãe enfrentando um câncer, a morte de um amigo e um término de relacionamento complicado que aumentou o uso da droga durante uma viagem para o Rio de Janeiro. “Não queria curtir com os meus amigos na praia e ficava no apartamento cheirando e viajando. Tanto que eu desfilei pela Vila Isabel nesse ano completamente chapado e errando todo o samba-enredo. Um vexame”, lembra ele em entrevista ao iG.
Ao longo dos anos, a dependência química de Evandro Santo só foi piorando. Ele lembra que em 2012, quando estava no auge com o “Pânico”, ficou solteiro e acabou se deslumbrando com a fama e a vida na noite. Além disso, ele comenta que a alta carga de trabalho também acabou influenciando, pois com isso acabava se afastando de amigos e usando mais droga.
Essa situação não passou despercebida das câmeras. Em 2012, ele foi como Christian Pior cobrir o casamento de Emerson Fittipaldi e o programa da Band não cortou um momento em que o humorista entrevista o Faustão sob efeito da substância. “Tive três princípios de overdose. No casamento do Fittipaldi, eu começo a ter um AVC na frente do Faustão e o ‘Pânico’ não excluiu essa cena. Pensei que ia demorar alguém para chegar no casamento, fui no banheiro cheirar e o primeiro convidado era o Faustão. Comecei a enrolar a língua na frente dele”, conta.
Somente dois anos após esse episódio que Evandro foi internado pela primeira vez. “Cheguei travado na Jovem Pan, fui na sala do Emílio [Surita] e falei: ‘Me manda embora porque eu não estou digno de trabalhar aqui. Não vou dar o meu melhor aqui. Não sou digno desse emprego”, lembra. O apresentador do programa disse que o comediante iria se tratar e foi assim que ele foi para uma clínica pela primeira vez.
Essa experiência foi bastante conturbada no começo. “Fui muito rebelde nas duas primeiras semanas, quis fugir, cheguei a brigar, armar uma rebelião e subir no teto. Depois eu fui ficando bacana porque não gosto de ver as pessoas sofrendo e vi que estava dando muito trabalho. Só que eu não via a hora de sair para usar”, lembra. Evandro passou quatro meses nessa clínica e quando teve alta já havia uma van do “Pânico” o esperando para ir fazer uma gravação na São Paulo Fashion Week.
Depois dessa experiência, ele passou por outras três internações por diferentes motivos, mas nenhuma fez com que ele mudasse de comportamento. Ele conta que continuou trabalhando “chapado” no teatro, no “Pânico” e em outros programas como o “Melhor da Tarde”. O humorista lembra que muitas vezes que saia de gravações ia direto para o centro de São Paulo comprar drogas. Quando esteve em “A Fazenda”, em 2018, ele sofreu crises de abstinência no pré-confinamento, mas, durante o reality show, o jogo e contato com a natureza o ajudaram a ficar bem e se manter quase três meses limpo.
O terapeuta Denis Baumgarten explica que a adicção pode levar a outras doenças de saúde mental e isso aconteceu com Evandro Santo. O artista chegou a ficar esquizofrênico por conta da ketamina e entregou o celular para um cachorro de rua após ouvir vozes. A droga também fez com que ele entrasse em depressão e tentasse suicídio logo após o fim de “A Fazenda”. “Me cortei e, quando vi que não estava dando nada, tomei uns 20 comprimidos, mas acordei intacto. Foi quando eu entendi que não era hora de ir”, recorda.
“Tive uns dez ou doze fundos do poço. Sabia que era fundo do poço e o dia que eu saí às 3h da manhã da minha casa na Augusta e fui para a Regô Freitas acordando todo mundo para conseguir drogas ilustra bem isso. Bati na porta do traficante às 5h30 da manhã e o cara dormindo. Tinha que conseguir droga, era necessário como se fosse oxigênio”, contiua.
Além das situações em que se colocava, a situação financeira também era um alarme para Evandro, mas mesmo assim ele não conseguia parar de usar droga sozinho. Ele lembra ter peso na consciência de que poderia estar ajudando mais a mãe ou uma associação LGBTQIA+ com o dinheiro que ia para sustentar o vício. “Quando olho os pix que que estava fazendo, era tudo mesmo nome e vejo que estava sustentando aquela pessoa”, diz.
“No último ano, eu me lembro de 10h da manhã estar na casa do traficante assistindo Fátima Bernardes e cheirando. Uma das minhas sortes é que não afetou tanto meu cognitivo, mas se eu continuasse usando me daria um ano de vida. Já estava no nível de convidar traficante para o meu aniversário no meio de outras pessoas que não eram adictas. Não estava separando uma coisa da outra.”, conta.
Em 2020, a pandemia da Covid-19 piorou ainda mais a situação de Evandro. Ele conta que o isolamento o deixou muito ansioso e o uso da ketamina o fez entrar em depressão novamente. Antes de ir para a Clínica Amoreira, o humorista fala que não estava mais nem tomando banho e se alimentando corretamente, mas tudo mudou quando ele foi para a internação.
Na clínica, o artista voltou a ter uma vida regrada e conseguiu se livrar das substâncias que estavam no corpo dele. Mesmo sem abstinência, ele sofreu fisicamente os efeitos da dependência, pois a ketamina afeta a bexiga e por três semanas ele urinava cerca de 20 vezes por dia, até o corpo voltar ao normal.
Agora, ele vive uma outra vida. Evandro é um dos primeiros a levantar, às 7h da manhã, e vai acordando os outros acolhidos. Ele toma café da manhã e tem um dia com horário certo para as refeições, aulas, atividades e tempo livre. Pelo bom comportamento, ele ganhou direito a usar o celular para entrar na internet por uma hora por dia, tempo que tem gravado vídeos falando sobre adicção e saúde mental. Foi assim que o humorista decidiu quais os próximos passos que quer dar e descobriu novos gostos, como para ensinar as pessoas e até mesmo o prazer em assistir à novela “Império”.
Na clínica em que está, ele não fica completamente isolado do mundo. Evandro recebe a visita de amigos e Rafael Ilha, vencedor de “A Fazenda 10”, tem ido até lá. Eles se conheceram no reality show da Record e o ator, que também é adicto, tem ajudado o colega de confinamento na recuperação. Para se manter financeiramente, o ex-Pânico conta com um dinheiro que tem guardado, com a ajuda de amigos e também está leiloando algumas obras de arte que tinha em casa.
Evandro Santo foi para ficar para a clínica para ficar intenado por quatro meses, mas decidiu estender a permanência para um ano. Com muita reflexão e aconselhamento dos profissionais do local, ele entendeu o que querr fazer no futuro. O humorista talvez deixe de aparecer na televisão e no palco com piadas para dar lugar à pauta de saúde mental. Ele deseja levar informação e conscientização sobre a causa. Por isso tem gravado vídeos para o Instagram falando sobre o assunto e contando a experiência dele com a adição. Todas as noites, também escreve sobre sua vida em um caderno, que pretende transformar em livro.
O desejo de Evandro é ficar os doze meses na clínica se recuperando e também estudando. Ele planeja fazer cursos para ser terapeuta e coach e levantar cada vez mais a bandeira da saúde mental e ajudar pessoas na mesma situação na qual ele já se encontrou um dia. “Essa fase de glamour já passou. Não quero ser famoso, quero ser importante no sentido de ter uma relevância e deixar um legado”, finaliza