Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Coluna Draft: ‘A Democracia pariu um monstro!’, por Edgar Talevi

2022-05-18 às 10:51
Foto: Flickr

Por que cremos no que cremos? A liberdade ocorre como primeira manifestação de verdade. Mas, afinal, em que medida somos livres ao pertencermos a um sistema pré-concebido?

A desrazão existe em virtude dos embates, debates, teses, antíteses, sínteses e, não obstante, bravatas que servem à justificativa de servir a um complexo de ideias não compreendidas em sua totalidade a respeito da vida.

Exemplifiquemos de modo sucinto: Por que comunistas atropelam o capitalismo mais agressivo com criticidade ácida em vez de obter dele o cabedal de potencialidades de alavancar uma sociedade industrializada, mercantilizada e eficiente ao erigir ao topo da pirâmide seus mais notáveis seguidores?

Entrementes, por qual motivo o capitalista menos moderado descarta a hipótese de um anarcocapitalismo em que o Estado fosse cada vez menos preponderante, escasso e, de uma vez por todas, tornar-se livre das amarras das rezas indumentárias legislativas burocráticas e se unisse à social benesse das camadas mais vulneráveis e buscasse reparar os danos históricos do legado pecuniário?

De igual modo, por que considerar, de forma pejorativa, a posição em que os diferentes grupos constantes da primeira reunião dos Estados-Gerais, em 1789, por ocasião da Revolução Francesa, a saber, esquerda e direita – meramente ocasional -, ocuparam em um espaço de debate amplamente econômico, conforme se apresentava o espectro político da época?

Ao que se observa, o ser humano, em busca de uma ontologia – metafísica da busca pelo sentido da existência e qualificação do ser -, não se percebe fora de determinados grupos. A isso pode-se chamar de sentimento de pertença. Sectarismos políticos, religiosos, filosóficos, teológicos, pedagógicos, enfim, todo indivíduo quer pertencer a algo maior, mas nem sempre este ideal faz parte de si mesmo, pois que, neste ínterim, o coletivo assume o protagonismo, tal como modelado pelo conceito do inconsciente coletivo de Carl Jung. Ou, ainda, o eterno vir a ser, conforme o existencialismo de Jean-Paul Sartre, o desdenhador do Nobel, mas que encantou o mundo pós-guerra.

Das disputas pelos espaços surgem os ismos (…) colonialismo, imperialismo, absolutismo, republicanismo, comunismo, capitalismo, liberalismo, anarquismo, pós-modernismo, Lulismo, Bolsonarismo, Anti-petismo, Anti-Bolsonarismo, egocentrismo e uma infinidade do tamanho do narcisismo – mais um ismo – do divagador de ideias. Ideal? Talvez haja. Ou, nenhum, mas viver sem nada, ou com pouco, ou sem um diferencial para dizer que é todinho seu, parece ser um “ismo” não encontrado no vernáculo dos léxicos do “modernismo”.

Tantas digressões inseridas neste artigo tornam-no uma verdade inexorável – com a redundância assumida pelo termo aqui aplicado -. Note-se: John Locke, filósofo e médico inglês, um dos mais influentes pensadores do iluminismo e conhecido como o “Pai do Liberalismo”, demonstrou, segundo aponta Voltaire, que não temos ideias inatas, nem princípios inatos.

Segundo a hermenêutica que Voltaire apresenta do pensamento de Locke, é necessário que nos ponham na cabeça boas ideias e bons princípios, desde que possamos usar a faculdade do entendimento.

Com citações diversas, dentre as tais, selvagens que matam e comem seu próximo sem nenhum remorso, ou, até mesmo, na “Santa Inquisição”, em que, nos autos-de-fé, na medida da consciência imposta por grupos empiricamente ideologizados, massacres houve como ritos de celebração Sacra, Voltaire ressignifica o pensamento de Locke no respeitante à comunicação coletiva a que nos expomos desde a tenra idade.

Ah, mas o caráter! – diria o mais idealista dos pensadores. Voltaire novamente assume a pauta e reabre a discussão ao prever que a religião e a moral são freios retentores do caráter. Não podem, porém, matá-lo, conforme suas próprias palavras.

Segundo o exemplo levantado pelo filósofo: “Enclausurado, reduzido a dois dedos de sidra às refeições, pode o bêbado deixar de embriagar-se, mas ansiará sempre pelo vinho!” Voltaire não perturba somente a alma, mas o espírito empreendedor de certezas, de convicções.

Mas, retornando aos “ismos”… existe liberdade em uma alma aprisionada pelo “ser” ou pelo “ter” alguma coisa que não lhe está ao alcance das maõs? Respondamos pela experiência das bandeiras que levantamos todos os dias, até mesmo agora, na leitura deste excerto. Somos tomados de ismos, sem que saibamos ou mentalizemos suas paráfrases soltas às frestas do tempo.

Mas, e a democracia? Por que ela criou um monstro? Se existe um poder maior que não pertence a si próprio é a liberdade. Crer no que quiser crer, mesmo pondo-se em prisões, com todos os ismos, individuais, coletivos, partidários, políticos, constitucionais ou despóticos, sejam quais forem, os ismos são fruto da liberdade de escolha, e isso provém da democracia.

Entretanto, sem a mãe de todos os ismos, impossível chegar ao privilégio de poder ler e navegar por este texto, concordando ou discordando, porém pronto a servir ao seu ismo de predileção, de coleção, domado ou feroz, que mata e fere, ou cura e pacifica.

Insisto, como em outros ismos suscitados em ensaios anteriores: “A democracia é o pior dos regimes, mas não há nenhum sistema melhor que ela!” (Winston Churchill).

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.