Quinta-feira, 25 de Abril de 2024

Coluna Draft: ‘Bolsonaro: entre o Trono e o Altar!’, por Edgar Talevi

2022-04-13 às 10:48

“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9). Estranheza – não há palavra que melhor se aplica ao cipoal elóquio a que estamos submetidos na confluência entre Igreja-Estado no hodierno cenário político brasileiro.

De um lado, Cristo, o Messias da igreja cristã, revelando o caráter dos verdadeiros filhos de Deus – a pacificação. De outro, governantes que lançam mão de “arminhas” encenadas como instrumento de propaganda política e conseguem agregar, congregar fiéis de igrejas cristãs, por meio de arroubos de retórica. O caos semântico não poderia ser pior.

Ao tratarmos a questão da ligação Igreja-Estado devemos ressignificar emoções de modo a não atrelarmos fé subjetiva à prática cúltica, a fim de que não nos percamos em discussões indissolúveis. Percebamos, no entanto, que existe uma tendência cada vez maior, nascente na esteira do neopentecostalismo, de se instaurar uma perpetuação de poder e governança, fruto da ideologia da Teologia da Prosperidade, com nascituro em Kenneth Hagin.

Muitos clérigos aderiram ao espectro da barganha teológica, sacralizando as trocas pecuniárias em favor de saúde financeira, emocional e material de seus fiéis. Esses nichos religiosos embarcaram no antipetismo – com alguma ou muita razão – e viram na figura do Bolsonaro o “Messias” da nova antipolítica. As eleições de 2018 consagraram novos atores que, neste momento, apresentam as mesmas vicissitudes da velha política, outrora demonizada pelo “mito”.

O apoio tácito de certas denominações religiosas ao bolsonarismo implode a concepção constitucional do Estado laico e confunde o verdadeiro propósito das instituições religiosas, focando exclusivamente nas pautas comportamentais, de modo a criar um pseudo senso de autopreservação e identificação que surge em meio à crise do politicamente correto.

Jair Bolsonaro é um místico performista bem-sucedido. Mesmo fazendo arminha com a mão e citando como exemplo de boa conduta um torturador, Carlos Brilhante Ustra, conseguiu carregar multidão de religiosos consigo na crença de que pode ser o Messias do conservadorismo no Brasil

A fé é um salto no escuro, por isso, talvez, nem mesmo as denúncias de corrupção têm poder de roubar a crença dos que acreditam no “Messias” político. Sem que saiamos da linha mágica de nossa teia narrativa, segundo o site UOL, em publicação de 12/04/2022, o Presidente Jair Messias Bolsonaro admitiu que entregou cargos de seu governo em troca de apoio parlamentar, cuja prática ele classificou como “crime”, em 2018.

Segundo o mesmo site UOL, em publicação de 07/04/2022, O presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Marcelo Lopes da Ponte, disse em depoimento à CGU (Controladoria Geral da União) que recebeu “insinuações” do pastor Arilton Moura, suspeito cobrar propinas de prefeitos em troca de liberação de verbas do MEC.

No entanto, mesmo com tamanhas “insinuações”, nada parece derrubar a confiança – fé? – no “Messias” político, e deixamos de lado a alta no preço dos alimentos, dos combustíveis e a leniência com a inflação da equipe econômica do governo federal para julgarmos tergiversações de opositores ideológicos, sem que se construa um projeto de desenvolvimento sustentável para o plano macroeconômico nacional pós-pandemia, além de implementar práticas socioambientais que permitam a sobrevivência de nossas matas e não matem nossas principais riquezas naturais. E, insisto: tudo em nome de qual Messias? O divino não se inspirava em armas!

Nesta perspectiva, a eleição poderá ser decidida, não como um princípio de Estado, de sociedade, mas com valores altamente subjetivos, espectrais, em que menos importa a democracia e seus pilares, mais valendo as prerrogativas de foro íntimo, o que, em contradição com a crença de todas as religiões, é algo egoísta e narcisista.

Cartas postas à mesa, o movimento conservador que endereçou dezenas de mandatos às casas legislativas e ao Executivo Federal não obteve êxito no trato social, no respeitante às agendas mais importantes do país, principalmente em tempos de Pandemia. O negacionismo – política de entreguismo eleitoral nas mãos do Presidente da República – conquistou espaço nas tribunas, nos palanques e nas ruas, em atos antidemocráticos, para não se dizer em alguns discursos de proponentes das Fake News neopentecostais que invadiram o berço do protestantismo.

O revide aos ditames do politicamente correto, posição tida como progressista pela ala conservadora da sociedade, caminha ao totalitarismo e à imposição de uma rigidez jurisdicional semelhante ao despotismo encontrado na Idade Média, tempo das trevas.

O engajamento político pode e deve fazer parte da luta na esfera religiosa, participando dos pleitos eleitorais no contexto da consciência subjetiva e coletiva de um organismo, mas jamais deverá prescindir do ideal a que toda religião é chamada, a saber, o religare, (ligar-se novamente, do latim), e isso não vem do Estado, mas do Sagrado

Nenhuma religião deve almejar a manutenção de status quo, a não ser que não tenha ou projete um pertencimento ao mundo do humano, em que as portas do Sagrado se manifestem por meio de reciprocidade e altruísmo. O que fugir disso é mero modismo místico-estético e beira ao fundamentalismo, se não à histeria coletiva.
A igreja não converte o Estado. E este subverte os ideais religiosos. A troca, além de injusta – teologicamente falando – é empiricamente impura e inaceitável.

Não devemos advogar pelo laicismo, mas, não obstante, arrogar a uma maioria cultural e historicamente estabelecida o poder de imprimir uma agenda de um país, pautando-se por seus estratos e nichos ideológicos é, no mínimo, permitir uma miopia civilizatória em que todos perdem, inebriados.

A defesa de um Estado laico, democrático e de Direito, bem como o fortalecimento de suas egrégias e colendas instituições, asseguradas pela Carta Magna da República, é insofismável.

Não se pode conceber, mesmo que a bem de um grupo majoritário de pensamento religioso ou ideológico, um totalitarismo ou pedantismo que possa erodir o frágil e ainda infante sistema democrático brasileiro. Predispor-se ao contrário seria, no mínimo, pedantismo político.

Pertencer ao universo do Sagrado é, antes de tudo, humanizar a liturgia cúltica por metáforas que revigorem o amor ao próximo, não o sectarismo e as porfias.

De acordo com o teólogo e eclesiologista, Jonathan Leeman, em sua obra “As chaves do Reino: a natureza política da igreja como embaixada de Cristo”: “Se ignorarmos essa distinção artificial de “religião privada” e “vida pública”, veremos a praça pública como o lugar de encontro e confronto de todos os deuses”. Um conflito em que “deuses” se digladiam seria o apocalipse da democracia e liberdade de consciência religiosa.

Para o teólogo público e cientista da religião, Guilherme de Carvalho: “A igreja local institucional não pertence, portanto, ao Estado, nem é meramente uma associação voluntária. Sua conexão espiritual com um futuro divino a torna um sinal de salvação e de julgamento, e relativiza imediatamente as pretensões das autoridades terrenas e temporais. Mas ela não o faz invadindo as competências do Estado; antes, em suas atividades internas de ensino, vida religiosa e disciplina ética de seus membros, usando “as chaves do reino dos céus”, dadas à Igreja pelo próprio Cristo (em Mateus 16,19-19).”

Todo posicionamento político-partidário que demonstra favorecimento, quer retórico ou pecuniário, quando houver, se houver, em favor de um segmento religioso põe em desprestígio as demais matrizes religiosas, de modo que dessa atitude possam advir preconceitos e atos discriminatórios, causando estranheza intracorporis nas denominações alcançadas por tais benesses. E isso é fragilizar, quando não dissipar a virtude e o propósito da esfera espiritual a que anseia o coletivo de uma igreja.

Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Túlio Lima Vianna: “No Estado Democrático de Direito não há espaço para a imposição de crenças religiosas travestidas de leis ou sentenças, pois a base da democracia é a pluralidade e a tolerância ao diferente.”
A política, vez ou outra, fica acéfala, mas a religião, nunca. Esta tem seu verdadeiro Messias. E Ele não é deste mundo.

O que faz com que um armamentista vire símbolo da resistência cristã no Brasil? Talvez o desejo do retorno da Igreja-Estado, como rebeldia contra o campo progressista em desenvolvimento na sociedade
Mas, estar no Trono não implica ter todo o poder. Daí ser salutar ressaltar a importância de saber quem, de fato, está no Altar.

Quando política e religião se encontram, em relação simbiótica, deverá prevalecer, não a utopia signatária das ideologias humanas partidárias, mas o amor fraterno, justo, solidário e abnegado, pois nele se espelha a figura de quem verdadeiramente ocupa o Altar.

Tragamos à memória duas citações que, juntamente, compõem o epílogo que sacia a sequidão dos tempos modernos:
“O Brasil é uma República Federativa, cheia de árvores e de gente dizendo adeus” (Oswald de Andrade).

“Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (João 14:6).

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.