Terça-feira, 23 de Abril de 2024

Coluna Draft: ‘Cloroquina Eleitoral!’, por Edgar Talevi

2022-03-23 às 11:11

“Considerava eu um dia quantas repúblicas têm sido derrubadas por cidadãos que desejam outra espécie de governo, e quantas monarquias e oligarquias são destruídas pela sublevação dos povos”. Assim, o genial Machado de Assis, em sua fenomenal obra “Esaú e Jacó”, dentre suas personagens vanguardistas, personifica a polaridade que existia, à época, entre as correntes doutrinárias políticas que predominavam nos círculos intelectuais e populares.

O regime monárquico estava depreciado e, cambaleando no final dos anos 60 do século XIX, cedeu ao golpe da Proclamação da República. Já se percebia o jogo político presente nos eventos de grande magnitude que engendraram as danças partidárias que foram mantidas pelo novo regime, inaugurado no final do Brasil Oitocentista.

Nada além de o Brasil sendo o que sempre foi: uma perpetuidade de disputa de poder. Mas, como disse certa vez Winston Churchill: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.” Por essa causa, buscamos a afabilidade da participação popular para que resolvamos todas as crises geradas pelas gestões ineficientes de populistas, déspotas, incautos e párias que conduziram-induziram o país ao erro.

A coincidência particular que evidencio por meio da metáfora da obra de Machado de Assis, prezado leitor, é para que entendamos o cenário nu e cru em que estamos inseridos no tabuleiro eleitoral de 2022.

As eleições deste ano tiveram início logo após o resultado das urnas eletrônicas que consagraram Jair, o Messias, Bolsonaro. A onda antipetista circundou o país, elegendo a antipolítica, os antipolíticos oriundos de atmosferas alheias ao “jogo” pragmático praticado há mais de um século no Brasil. Novos ares? Não! Os mesmos, mas rarefeitos. Que o digam os governadores Wilson Witzel (PSC) – RJ; Carlos Moisés (PSL) – SC; Wilson Lima (PSC) – AM. Qual a relação entre eles? Todos já estiveram sob o risco de perderem seus mandatos, em processos de impeachment. Houve quem perdesse.

Fato é que, após o resultado das urnas eletrônicas que elegeram Bolsonaro, um burocrático processo que pedia a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, por Fake News, teve início, mas não prosperou.

O país seguiu levado por ventos neoliberais, com o surto das tentativas de privatizações, a Reforma da Previdência, o empurra-empurra dentro das esferas de poder Palaciano em que a falta de diálogo com o Congresso quase pôs a perder o apoio ao Presidente recém-eleito e suas demandas sociais e administrativas mais urgentes para o país. Antipolítica também é ANTI!

Covid-19 em cena. Vidas que se perderam. Oportunidade-necessidade de revitalização do SUS e valorização da Ciência, como modelo de gestão estratégica de desenvolvimento de uma nação. Mas, infelizmente, a supracitada atmosfera da antipolítica se envaideceu “ensimesmada”, sem que houvesse rumo, ou doutrina, sequer uma liturgia para a relação cúltica que manteve com seu público mais fiel, porém cada vez mais reduzido diante da realidade da hegemonia do poder pelo poder.

Entra em cena o negacionismo como manutenção de status quo, de forma sui generis, pois, ao arrepio de tudo que se conhece de mais surreal, é o menos arrebatador de almas. Nada mais grave que dilapidar a democracia por meio de ilações contra as tais urnas eletrônicas que, como é sabido, consagraram a “nova política” e o Messias da vanguarda-retrógrada da República.

Atacou-se a República com ares autocráticos, monocráticos, promovendo um recuo de 30 anos no processo democrático brasileiro. Segundo o V-Dem Institute, da Suécia, um dos principais centros de pesquisa sobre o estado da democracia, a crise na democracia brasileira sofreu danos indeléveis. Em um ranking mundial, o Brasil ocupa a modesta 59ª posição entre os países mais solidamente democráticos no mundo. Perdemos para países como Gana, Bulgária, Senegal, Armênia, Romênia, Cabo Verde dentre outros.

De acordo com os pesquisadores do renomado Instituto, o Brasil não é uma democracia liberal, já que vive desafios para garantir que todos os critérios de um Estado de Direito consolidado sejam atendidos. Isso é fruto de uma desconstrução da imagem e valor das Instituições da República, que, sob constantes ataques, tiveram de efetivar maior participação para que conquistas históricas não fossem desfeitas.

Engana-se quem pensa que as urnas eletrônicas – que repito reiteradamente: elegeram Bolsonaro -, foram a única cortina de fumaça para afastar do seio político os brasileiros mais vulneráveis. Levantes e achaques contra poderes constituídos, egrégios, colendos da Pátria foram promovidos em prol de um nicho que permanece unido, mas perde voz à medida que a verdadeira política precisa entrar em campo.

Destarte, a insistência na famosa Cloroquina, a Ivermectina (desmentida em sua eficiência pelo próprio fabricante), a desvalorização da campanha de vacinação nacional, realizada pela rede pública em todo o país, com potencial agregador ao Presidente da República para capitalizar votos, receberam ataques-caneladas, tiros no próprio pé. Erro estratégico. Ledo engano. Estapafúrdios arroubos de retórica.

Agora, a guerra Rússia contra Ucrânia. Adivinhemos quem foi visitado por Bolsonaro, em atitude de isolamento mundial? Vladimir Putin. Porém, a conta chegou ao bolso da população. Preços praticados pela Petrobras, sem que houvesse regulação ou interferência por parte do governo, adormeceram as ruas que intentavam contra as Instituições. A inflação resiliente, com projeção do mercado financeiro, avançando para 6,59%, na previsão para o IPCA, com expectativa de, no mínimo, 3,75% para 2023, tira a comida do prato da população, gerando medo e inquietude.

A SELIC, disparando para 11,75% demonstra o cenário da inevitabilidade de um debate mais amplo, macro, plural, em que as verdadeiras necessidades da população entrem em jogo. O campo está fechado a novas aventuras. É hora de se falar em mercado, economia, microeconomia, agronegócio, comida no prato, combustível, vacina, Brasil.

Não pensemos, no entanto, que Lula trará alívio ao sentimento de pertença do povo, valendo-se de um momento de crise. O passado jaz à porta do martírio com insinuações de políticas Estadistas, ideologicamente alinhadas a determinados grupos que pensam o país como um espectro de regulamentação infinita com muitos Direitos e poucos deveres que tanto sufocam os empresários, que verdadeiramente geram riqueza para nossa população.

Tenhamos saudade de nossas próprias esperanças. Vivamos de nossas alvíssaras, sem deixar de fazer com que o gigante grite quando incomodado.

Com a devida vênia do exímio leitor, indigno-me: em entrevista à TV Brasil, o atual – quiçá – ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que as vedetes do futuro serão os Institutos Federais. Universidades, segundo ele, não são tão úteis à sociedade.

Nas palavras do Ministro da Educação do Brasil: “Tenho muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda muito grande”.

É fato a crise no mercado de trabalho, Senhor Ministro. Mas, ressalve-se: há espaços públicos, em cargos específicos, que precisam de competência para serem ocupados. Nem todo gestor público mantém eficiência para suas atribuições.

Ademais, se a Universidade não for para todos, também não o será um Ministério. A Educação, bem como o Brasil, não é para amadores!

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.