Terça-feira, 23 de Abril de 2024

Coluna Draft: “Governar é preciso, Viver não é preciso – Uma história de Brasil!”, por Edgar Talevi

2021-08-25 às 09:35

A fisiologia do poder em um Estado Democrático de Direito reside no fato de este concentrar a eficiência de pautar e governar, formando maioria bicameral – segundo o modelo brasileiro – de modo a aprovar agendas que permitam à gestão a condução da máquina pública, por meio de negociação de cargos e benesses à sua base aliada.

Afinemos o discurso do seguinte modo: sem maioria de votos na Câmara e no Senado, não há governo, e isso exige articulação inteligente, escrutínio meticuloso e, é claro, intensas negociações. E justamente no campo das negociações é que o fisiologismo alcança suas maiores proezas.

Não é de se admirar que um governo como o de Jair Messias Bolsonaro tenha sido submerso em frustrações tamanhas, pois não criou condições razoáveis de penetrar o congresso com força suficiente para lançar mão de suas pautas, por isso sequer obteve fôlego para gerar qualquer expectativa que representasse alguma garantia de governabilidade.

E, nesta perspectiva, o executivo chafurda no discurso de pautas negacionistas, com achaques às instituições democráticas, declarações incautas, despóticas de seu chefe e desvios de temas nevrálgicos da agenda econômica brasileira, tais como o desemprego de 19 milhões de trabalhadores que, sôfregos, assistem a um ato teatral inóspito e surreal.

Destaque-se, entretanto, a mea culpa da Câmara dos Deputados que tranca a pauta, impedindo a imprescindível reforma tributária idealizada pelo ministro Paulo Guedes, que permitiria um equânime pacto federativo. Tudo isso para a promoção, de forma açodada, da pretensa reforma política que, por sua vez, não passou de uma mera “alteração” eleitoral vazia, ressuscitando, por meio de PEC, as famigeradas coligações proporcionais, de modo a promover a fragilização da democracia, pois, segundo especialistas, favorecem os partidos nanicos e de aluguel, ou seja, aqueles que não são programáticos, criando uma crise de representação e diminuindo a governabilidade.

Bravatas de lado, o Presidente da República tem sofrido inaudito processo de desestruturação de seu mister, sujeitando-se, em nome da governabilidade, ao afaimado Congresso Nacional de modo a saciá-lo de cargos e emendas orçamentárias para que este apresente à sua base eleitoral alvíssaras que caucionem a manutenção do status quo. Pensa, este colunista, que o país poderia ter avançado de modo insigne no plano macroeconômico caso houvesse o devido equilíbrio entre os poderes, e a estratégia inicial do ministro Paulo Guedes não fosse esvaziada pela agenda oposicionista rasa e superficial.

Jair não é o Messias, mas envidou esforços matriciais junto à ala conservadora da sociedade no tocante às pautas comportamentais e demonstrou cândido propósito ao empossar Sérgio Fernando Moro no Ministério da Justiça, tendo, desavisadamente, por questão de assessoramento inócuo, a posteriori, cedido à tentação de prerrogar a si mesmo o ofício do Ministro a fim de salvaguardar sua cadeia hereditária, os filhos do capitão.

Não obstante, a viagem pelo Brasil redemocratizado perpassa décadas e, crê-se – teme-se – não deixará de irromper o horizonte. Portanto, não se arrefeça o passado para que se não repitam vicissitudes no futuro.

A década de 90 instaurou no Brasil a política Neoliberal, deliberada no Consenso de Washington, de 1989, no pacto pela modernização dos Estados Latino-Americanos. Vislumbrou-se a liberdade de mercado, com a ascensão da globalização a partir de políticas macroeconômicas voltadas às privatizações. Chegou a era Collor. O quadro de ministros eminentemente técnicos e notáveis auspiciaram esperança. Seria o grande trunfo do jovem Presidente. Talvez seu grande marco e legado na história – esta que sempre tem seus vários lados. Ledo engano. As decisões estapafúrdias dos planos econômicos estarreceram os brasileiros e reverberam até hoje nos tribunais. O impeachment – desnecessário à luz da renúncia do então Presidente – pôs fim ao martírio.

Itamar Franco serviu de elo a uma nova eleição. O plano real incandesceu a política brasileira e erigiu o PSDB, com Fernando Henrique Cardoso. Foram anos de modernização no setor de telecomunicações, com parcerias fundamentais com a iniciativa privada – pilar do investimento e geração de renda – fortalecendo a diplomacia brasileira com países desenvolvidos e implementando com robustez o controle da inflação.

Mas, mais uma vez, a frustração roubou a cena! Chegaram os escândalos da pasta rosa, do vazamento “parabólico” da fala do ex-ministro Ricúpero e a suspeita de compra de votos para a aprovação da reeleição, em 1997. Ademais, a venda da Vale do Rio Doce, empresa estratégica de mineração brasileira, por R$ 3,3 bilhões, quando apenas suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$ 100 bilhões à época, causou estranheza em um momento de estabelecimento de um novo modelo político. Tudo em nome do pagamento da dívida pública, o que nunca ocorreu.

Os ventos mudaram a direção e sopraram ao PT. Luís Inácio Lula da Silva ascendeu ao poder após 3 derrotas consecutivas. Uma nova classe média imergiu, com facilitação de crédito e fomento à compra da casa própria. Destaque, de igual modo, ao programa educacional PROUNI, que elevou os números de estudantes universitários no país. Tudo isso culminou com popularidade alta no fim de seu mandato e, talvez, aquilo que tenha sido o maior legado da gestão, a saber, o crescimento asiático do PIB em 2010: 7,5 pontos percentuais.

Valha-nos o bom senso e não nos esqueçamos do grande balcão de negócios que desmontou a PETROBRAS, bem como os investimentos realizados em países ideologicamente alinhados com o governo de esquerda que, até então, não adimpliram seus contratos junto ao BNDES. Lembremo-nos do escândalo do mensalão, em que o chefe do executivo disse não saber de nada, como até hoje desconhece – segundo diz – todas as acusações que lhe são imputadas.

Dilma Vana Rousseff, eleita às expensas de seu leal antecessor/fiador, permaneceu fiel na condução da política assistencialista, com proeminência de programas como Bolsa Família – tornado moeda de troca eleitoral – Minha Casa Melhor – fortaleceu o ensino técnico com o PRONATEC, mas deu voz ao contraditório ao ceder aos arroubos privatistas – contra os quais seu partido sempre militou – senão vejamos as concessões dos aeroportos.

As intempéries, entretanto, afligiram o segundo mandato. A leniência com a inflação e o fracasso na gestão econômica cobraram caro. Entrementes, a população – termômetro mestre da governabilidade – inflou as ruas em clamor pela derrocada do PT. O governo foi incompetente ao não capilarizar uma base de apoio estável no Congresso. A história mudou o cenário e os atores, mas promoveu mais uma ruptura: 2016 – estava consolidado o Impeachment.

O governo Temerário de Michel flertou com a nova direita, flexibilizando leis trabalhistas por meio de reforma do setor, de modo a precarizar os contratos de trabalho e abolir direitos e prerrogativas dos trabalhadores, entregando ao mercado o sonho libertário do poder sobre as classes subalternas. Entreguismo é o vocábulo que melhor expressa a patuscada. Ademais, duas votações para abertura de processo de impeachment por denúncia do ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, foram derrotadas na Câmara dos Deputados. Nada novo. As velhas emendas orçamentárias compondo a articulação política e pautando decisões de força maior no Congresso Nacional.

Neste momento, o prezado leitor poderá perguntar: – De que lado está o colunista que produz o presente ensaio? Corrobora com esquerda, direita ou liberalismo?

A resposta é tão certa como a incerta trajetória da vida. Nem um, quanto menos outro. Jamais ao lado dos bajuladores, assistencialistas e populistas, tampouco perto dos que aventam quaisquer intervenções antidemocráticas. E, quanto ao liberalismo, este está presente nos dois lados, qual seja o pragmatismo fisiológico da política brasileira há décadas.

Tenho por certo que o partido que representa a verdadeira mudança é o livre pensamento, autocrítico, sem censores, fecundo, plural, democrático e permanente, presente somente na Educação.

A Educação, neste sentido, é o encontro com a perplexidade, com a construção de conhecimento à luz da promoção da cidadania e formação integral do humano. O homem é sempre o vir a ser, na paráfrase de Jean-Paul Sartre. Esse é o nicho que espectra a mente do homem livre do mundo atual.

Para tanto, proponho a leitura da obra “Freud – além da alma”, de Jean-Paul Sartre, roteiro ficcional que desvela a personalidade humana tal qual ela é, em caráter de urgência de crescimento e amadurecimento.

A verdadeira Educação, por conseguinte, está presente nas salas de aula, nos ilustres professores da nação; nas empresas, que geram riqueza e emprego e enfrentam as dificuldades impostas pelo obsoleto e injusto sistema tributário em cascata e nos mais diversos estamentos sociais, em que se encontra a simbiótica esperança engendrada na alma do brasileiro.

Outrossim, o que melhor espelha o ávido desejo de sonhar com a transformação da sociedade – ou da mente – metanoia, do grego, é a lucidez de conhecer os tempos que precedem atos disruptivos. Sugiro a leitura da obra de José Saramago, “Ensaio sobre a Lucidez”, em que o Nobel de Literatura presenteia a humanidade com a holística sabedoria do poder que emana do povo.

No que resta, escusando-me ao poeta Fernando Pessoa: minha Pátria é a Língua Portuguesa; minha Espiritualidade, Âncora; Meu Censor, a Consciência; e a Democracia é direito e dever de todos.

Esperança? Sim, há! Porém, não contendo a mesma bagagem das últimas eleições, nem com antigas novas promessas que parecem renovar o ânimo dos brasileiros, mas navegam no mesmo ambiente poluído do fisiologismo e pragmatismo que decompõem a União.

Tomo a liberdade de adaptar o texto de Fernando Pessoa: “Navegar é preciso, Viver não é preciso” – Governar é preciso, Viver não é preciso”.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.