Igreja e Estado só convergem quando divergem. O paradoxo se desfaz quando entendemos que o Estado deve promover o bem-estar social, mas à Igreja cabe a denúncia do mal-estar provocado pelas vicissitudes de quaisquer regimes que sejam totalitários, beligerantes ou que violem os direitos humanos.
É prerrogativa basilar de um Estado Democrático de Direito a manutenção da governabilidade e a preservação da inviolabilidade de seus instituições republicanas, mas a Igreja – entendida como o Grego neotestamentário simboliza, a “EKKLESIA”, ou ‘chamados para fora’ -, deve, uma vez emancipada institucionalmente, fomentar a razão crítica que salvaguarda a verdade e a heterogeneidade de uma sociedade híbrida, em conexão com um futuro que garanta o acesso aos meios de sustento, quais sejam, espirituais e materiais.
A fenomenologia da fé é, nada menos, que a luta pelo estabelecimento de uma espiritualidade que evoca e contempla a singularidade dos indivíduos na multifacetada pluralidade existente no cabedal de culturas e insígnias de humanização.
Quando deparamos com uma autoridade civil ou militar agregando a si determinados nichos eleitorais em meio a igrejas, sejam quais forem suas denominações ou matrizes, retrocedemos à Idade das Trevas, em que o ‘pre’conceito imperava e as superstições valiam o quanto quisessem na condenação à morte de vidas inocentes mediante um regime totalitário e avassalador.
Quando tratamos do poder do Estado frente às crenças coletivas ou individuais, devemos ponderar que estamos à deriva em um processo constante de construções e desenvolvimento de ferramentas de sobrevivência. Para o pensador Joaquim Hirsch: “Um Estado que é a institucionalização dos interesses do capital, em geral, recebe um poder e um conhecimento que não pode possuir”.
Percebemos que, para o cientista político supracitado, o Estado não prevê fronteiras para si, pois opera ao inverso da ordem, gerando o caos onde é licitada a virtude da razão.
Neste diapasão, é lícito indagar: tal Estado poderia se assemelhar às religiões para delas usurpar o poder e o domínio da razão dentro das linhas geopolíticas em que perseveram fé e espiritualidade? Certamente, não. Mas o problema é, à revelia dos fatos notabilizados ultimamente em eventos de grande monta, tais como a “Marcha para Jesus”, em que imperam ‘outros Messias’, perene!
Desgastar-se politicamente parece ser inútil a líderes populistas de igrejas modernas à medida que o “encosto” ao poder se dá de modo a “elitizar” os mandatários espirituais e criar um certo status quo da pós-verdade, em que o que pensa e interpreta uma liderança vale mais do que a verdade dos fatos.
Zygmunt Bauman, ao analisar a modernidade tardia, ou sua pós-modernidade, discorreu sobre os fenômenos que escorrem por entre os dedos. A isso chamamos liquidez. Tamanha desfaçatez é operante no espaço-tempo ocupado por Igreja-Estado, ou Estado-Igreja, em que imperam líderes despóticos, com a pretensão do poder pelo poder, ao que mais se assemelha aos partidos, ou melhor, ao estilo de vida política “catch all” dos partidos políticos modernos.
A maior concorrência hoje, dentro de determinadas igrejas que buscam o Estado como espiritualidade, e de um Estado que domina a Igreja como centro de busca da verdade, é pelo convívio da conversão inversa, ou seja, ou eu me converto a ti, ou tu te convertes a mim. De qualquer forma, ambos jogam no mesmo time, vencendo ou vencidos.
Saudosos são os tempos em que buscar espiritualidade era desligar-se dos infortúnios causados pelo homem para transcender. Idas são as épocas em que a política era idealizada para proteger a espiritualidade dos vícios e manias dos homens que operam os trilhos da trajetória de suas mentes vagas.
A todos os que compõem um dos quadros que neste artigo se denunciam, os versos de Mário Quintana, no Poeminho do Contra, sempre presentes e verdadeiros:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!