Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Coluna Draft: ‘Jair, o Messias, concede Perdão!’, por Edgar Talevi

2022-04-22 às 10:58

“O Estado sou eu”, filosofou Luís XIV, o “Rei Sol”. Súditos, nesta perspectiva, seriam meros espectadores da centralização do poder nas mãos de um Rei do qual emanavam as atribuições para a legislação, para o juízo e para a execução das leis, geralmente considerado como agraciado com a proteção e o ordenamento divino.

Somente com a ascensão da classe burguesa e o refreamento das guerras civis motivadas por interesses de coletivos religiosos, o absolutismo implodiu. A Revolução Francesa foi um marco nessa trajetória e o ponto alto dessas ideias.

Em busca de um novo modelo de gestão do Público, entendido como Estado, Charles de Montesquieu, filósofo e teórico iluminista, propôs a divisão do poder em três instâncias:

1. Executivo: gerência do Estado e prática das leis aprovadas;
2. Legislativo: elaboração das leis;
3. Judiciário: apreciação e julgamento segundo um ordenamento jurídico.

O espírito do poder dividido em três esferas é a isonomia e independência entre eles, de modo a construir um processo democrático capaz de superar passivos sociais que potencialmente possam agredir o desenvolvimento do processo civilizatório e o Estado democrático de Direito.

As bem-aventuranças que tais premissas promovidas teoricamente por Montesquieu incitam são, até hoje, debatidas nos cenários em que se consolidam democracias incipientes, tais como o Brasil. Afinal, no país da “Ordem e Progresso”, atores políticos constantemente formulam hipóteses usando o texto constitucional como pretexto de protagonizar lacunas a intervenções hilárias, quando não carregadas de paixões advindas do subjetivismo de foro íntimo político-partidário.

Ressalte-se que todos os entes políticos são infraconstitucionais, portanto servem à letra, não a galanteios ou arroubos de posicionamentos pessoais ou interesses omissos ao que reza a Carta Magna da República.

Quando houver constatada infração aos costumes hodiernos que signifiquem afronta ao bem-estar do convívio social e necessitem de atualização imprescindível à objetificação de leis que possam ferir os direitos inalienáveis, irrevogáveis e irretratáveis do indivíduo, a própria Constituição prevê o Instituto da PEC, em que o Congresso Nacional, com formação bicameral, poderá emendar o texto da Carta, sem ferir o contrato nela estabelecido. Qualquer rito que ultrapassar tais limites requer veemente repúdio por todos os entes federativos.

Na esteira desta discussão, encontra-se o julgamento ao qual fora submetido o Deputado Federal Daniel Silveira (PTB-RJ), no STF, nesta quarta-feira, 20/04/22, resultando em condenação, por 10 votos a 1, a 8 anos e 9 meses de prisão ao réu, por estímulo a atos antidemocráticos e ataques a Ministros do Supremo e a Instituições, como o próprio STF.

Um “Edito” – vocábulo propositadamente selecionado para lembrar Constantino, o Imperador “cristão”-, a que hoje chamamos de “Instituto da Graça”, uma espécie de “Perdão”, foi concedido pelo Presidente Jair Messias Bolsonaro a seu aliado político, agora condenado, Daniel Silveira.

O Instituto da Graça é uma prerrogativa Presidencial que tem o poder de extinguir a condenação de uma pessoa e possui guarida na Constituição. Não obstante, o favor da graça do Presidente a seu amigo foi mal recebido por parlamentares da oposição que chamaram o ato de golpe.

Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou no Twitter que o indulto é afronta ao STF e claramente inconstitucional. O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que “Bolsonaro acha que pode tudo enquanto estiver no cargo que ocupa”.

Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP), afirmou que “Crimes contra a ordem constitucional não podem ser passíveis deste benefício e que irá ao STF para derrubar esse desmando”. Alessandro Molon (PSB-RJ), chamou o decreto de “Uma afronta ao STF e à separação de Poderes”.

A decisão do Presidente Bolsonaro é autocrática e monocrática. Isso está em plena contradição com discursos anteriores do próprio Presidente-Monarca. Segundo o chefe do Executivo, em fala datada de 28 de maio de 2020, em alusão à autorização do Ministro do STF, Alexandre de Moraes, para realização de uma operação da Polícia Federal contra Fake News, que atingiu pessoas próximas do governo: “Acabou, po***! Me desculpe o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais tomando quase que de forma pessoal certas ações (…) não vamos admitir que, individualmente, uma ou outra pessoa tome decisões em nome de todos!”

Jair sustentou sua criticidade a uma suposta autocracia e monocracia – segundo pensa ele mesmo -, “defendendo” a independência entre os poderes.

Em outro episódio, Bolsonaro criticou uma decisão liminar do mesmo Ministro do STF, Alexandre de Moraes, que barrou a posse do delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, e ressaltou a independência entre os poderes.

Como se percebe pelos fatos, Bolsonaro não está jogando pelas regras que ele mesmo declara imprescindíveis ao estabelecimento da independência entre os poderes, haja vista sua atitude autocrática e monocrática de conceder perdão a um aliado político de plantão.

Entretanto, o jogo permanece. Isso porque, segundo promete Randolfe Rodrigues (REDE-AP): “Vamos ingressar amanhã (sexta-feria, 22 – hoje), com uma Arguição de descumprimento de preceito fundamental para anular o ato indevido de Jair Bolsonaro e protocolar projeto de decreto legislativo no Parlamento.”

Ao que tudo parece, à luz do ordenamento jurídico, segundo o texto Constitucional, conforme o rito do devido processo legal e em respeito à independência dos poderes, a Palavra Final sobre o caso ficará mesmo com o Supremo Tribunal Federal, poder moderador e Guardião da Constituição da República Federativa do Brasil.

Ao decidir revidar, Bolsonaro poderá ver seus poderes serem cada vez mais dissipados.

Não acabou ainda, Presidente!

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.