O Exorcismo do Sagrado
O encontro com o Sagrado é parte essencial da natureza humana. Toda manifestação espiritualizada, seja por meio de religião ou outras formas de transcendência compõe o cabedal de experiências fundamentais à existência das subjetividades e abstrações por que toda humanidade passa.
Clive Staples Lewis, um dos gigantes intelectuais do século XX, provavelmente o escritor mais influente de seu tempo, em sua obra “A Abolição do Homem”, afirma: “No momento preciso, então, da vitória do homem sobre a natureza, encontramos toda a raça humana submetida a alguns indivíduos, e tais indivíduos estarão sujeitos àquilo que em si mesmos é puramente “natural” – aos seus impulsos irracionais”. A definição ora apresentada pelo eminente apologeta cristão corrobora com a atual indigesta posição de alguns indivíduos no respeitante à tolerância ao diverso, ao diferente e ao pluralismo doutrinário, que são valores basilares à convivência pacífica em sociedade.
Valhamo-nos do que diz a legislação em vigor, segundo nossa Constituição Federal, Carta Magna da República: “e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Como podemos observar, a CF assegura proteção integral aos locais de culto. Cabe, portanto, a toda a sociedade, principalmente aos atores institucionais e políticos salvaguardarem o texto Constitucional através de garantias práticas de convívio pacífico e harmonioso dentro dos templos religiosos.
Para entendermos a vultosa violência contra as religiões no Brasil, basta que olhemos para alguns dados. Um estudo mostra que religiões de matrizes africanas foram alvo de 91% dos ataques no RJ em 2021. Um relatório da Comissão de Combate à intolerância Religiosa mostra que as religiões de matrizes africanas foram as que mais sofreram ataques no Rio de Janeiro.
Segundo o Observatório de Liberdade Religiosa, os números são alarmantes, sendo 47 denúncias, a maior parte contra as religiões de matrizes africanas. Os crimes mais comuns foram:
Em um país de pluralismo religioso, com leis que visam à liberdade de expressão, da inviolabilidade dos templos religiosos e da concretude da democracia multifacetada no espectro cúltico é imprescindível que se tenham políticas públicas voltadas à proteção da identidade cultural da fenomenologia religiosa das comunidades eclesiais. De acordo com o Babalaô e pesquisador da UFRJ, Ivanir dos Santos, muitos casos de intolerância religiosa poderiam ser evitados. O que falta aos governos são dados qualificados que levem a propiciar uma política nos espaços necessários onde existem os casos de intolerância religiosa.
Neste sentido, sociedade civil e governos devem unir-se no sentido de garantirem a liberdade do exercício pleno da espiritualidade e da religião nos termos da legislação e, além disso, do próprio processo civilizatório.
Jean-Paul Durand, doutor em Direito canônico, afirma, em seu livro “Instituições Religiosas”, que “Graças ao diálogo ecumênico e ao diálogo inter-religioso, as religiões puderam começar a estudar juntamente seu patrimônio espiritual, suas instituições”. Percebemos que, para o autor, a reflexão intercultural religiosa é harmônica e necessária à construção de uma identidade espiritual diversificada, rica e robusta, dentro das tantas manifestações que constroem a riqueza cultural brasileira.
A fenomenologia religiosa é característica indeclinável da espécie humana, como constituinte elementar, que dá vigência à espiritualidade e exercício à identidade cultural, ao processo de desenvolvimento do subjetivo e da imperiosa participação nos desencadeamentos da historicidade de cada comunidade dentro da tecitura social de uma nação.
Ademais, o sentimento de pertença religiosa é evidenciável no trato coletivo como estratégia de emancipação psicológica, social, política e afins, de modo a assegurar a psique coletiva de grupos que comungam do mesmo bojo identitário e cultural.
A importância da práxis religiosa é explicada de modo insigne pelo filósofo Mário Sérgio Cortella. O autor evidencia que o pertencimento religioso é capaz de dar pulsão à vida e evitar o apequenamento desta. Entrementes, para Cortella, religião é “coisa de gente”, o que, certamente, implica qualitativamente no mérito da prática da espiritualidade.
Tomás de Kempis, em “Imitação de Cristo”, versa que “O humilde conhecimento de si próprio é a vereda mais correta para Deus do que as profundas pesquisas da ciência”.
Isso é notório à medida que alcançamos o conhecimento de que somos limitados por nossos ideais, mas que estes podem e devem ser consagrados ao amor pelo Sagrado Ser Humano e Divino que habita em nós!
Fiquemos com os sábios versos Egípcios antigos: “Considerai aquele que conheceis na mesma medida que aquele que não conheceis”.
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