O Universo numa casca de “Nós”!
A Terra é o centro do Universo! Isso é cada vez mais evidente à medida que a humanidade estabelece seu domínio sobre a própria razão, sobrepujando valores ético-morais que elevariam o espírito a um estado solidário e altruísta.
Por volta de 350 a.C, na Grécia antiga, Aristóteles desenvolveu uma teoria que defendia que a Terra era o centro do universo. Posteriormente, no século II a.C., o matemático e astrônomo Ptolomeu reafirmou essa tese e elaborou a teoria Geocêntrica.
Foi com Nicolau Copérnico, fundador da astronomia moderna, que o pensamento Geocêntrico perdeu espaço. O heliocentrismo ascendeu e, de imediato, recebeu a firme oposição da igreja católica, que só aceitou tal modelo em 1922. Enquanto isso, a tese heliocêntrica ganhou envergadura por meio de célebres pensadores, tais como Michael Maestlin, Johannes Kepler e Isaac Newton.
Mas, incólume ao paradigma científico, a humanidade mantém sua Terra no centro do universo. A Terra a que me refiro, em um sentido avultado, é o mundo humano, em suas vaidades, afetações, imodéstias e sobrançarias que arrogam a si o poder e a razão. É, portanto, o mundo “ensimesmado” dos homens em busca de seus próprios interesses. Estamos em plena vigência do antropocentrismo. Mas, para longe dos ideais romantizados do renascimento e do iluminismo, o “homem ao centro” que ora se prenuncia é o amor ufano à autoimagem, como se a pátria humana fosse fruto de certos nichos de interesses pessoais, em detrimento do coletivo.
A comprovação de que o “nosso mundo”, “nossa Terra” em particular, nosso círculo social de foro mais íntimo arrogou a si o poder, está na constatação de 3 insígnias que maculam a imagem humana: o racismo, a homofobia e a intolerância religiosa.
O mundo pós-moderno carrega a pecha de ser avançado social e politicamente, mas está aquém dos valores humanos mais basilares na construção da dignidade e respeito entre os povos. O racismo é prova disso.
Não faltam exemplos de discriminação e injúria racial que promovem violência contra a dignidade humana e causam segregação. Interpretar o mundo da era da pós-verdade, em que factoides engendram meias verdades e equivocidades é compreender que a humanidade avança a passos lentos a um futuro de incertezas.
Segundo o Atlas da violência de 2021, a possibilidade de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Em 2019, como exemplo, os negros representavam 77% das vítimas de assassinato no país. Some-se a isso diversos discursos de ódio feitos por atores públicos que inspiram cuidados e deflagram mais violência.
Não obstante, um avanço surge no cenário político nacional: o Senado Federal aprovou um projeto que tipifica injúria racial como racismo, aumentando, de igual modo, a pena para quem comete o crime. O texto alinha a legislação à decisão do STF que tornou a injúria racial imprescritível.
A homofobia, por sua vez, faz com que vejamos cenas abomináveis de violência gratuita instaurada pelo preconceito. Em 2020 houve 237 vítimas fatais de homofobia no Brasil, sendo que 224 foram homicídios e 13 suicídios. O crime homofóbico tem seu nascituro no ódio dos incautos e discipuladores da “hetero-hegemonia”.
Nesta perspectiva, não deixemos de observar a intolerância religiosa, que surge do fundamentalismo e implementa cenas de perversão moral de uma sociedade doentia e intolerante com as diferenças e divergências.
Salvaguardemos que divergir é democratizar a informação. É neste sentido que igreja e sociedade mantêm a dialética do plural, em um holístico ensejo de corroborar com o desenvolvimento humano em sua integralidade.
O professor Mário Sérgio Cortella costuma dizer que religião é “coisa de gente”. A frase encontra guarida no entendimento de que todos podemos ser religiosos, pois faz parte de nosso sentimento de pertença à espiritualidade, sem que, para isso, sejam rejeitados os contrários à nossa fé.
A união das multifacetadas crenças, em prol do aperfeiçoamento do bem comum, de uma sociedade em que todos e todas tenham o direito de pensar livremente, sem as amarras da censura e protegidos pelo estado laico, em sua liberdade de culto, promoverá a dialética de universos diferentes, que, não necessariamente, sejam distantes, pois as crenças distintas não arrefecem a necessidade de agrupamento dos contrários. O oposto agrega, forma síntese, desde que restabelecido o respeito e a inter-religiosidade em seu sentido nato, lato, que é espiritualizar o ser humano.
A Terra é humana, mas não pertence ao apequenado mundo intracorporis, como querem alguns grupos preconceituosos e segregários. Nós pertencemos à Terra e ela a nós, desde que estejamos cientes de que todos podemos habitar em um mundo em que a “nossa Terra particular” não seja o centro do universo. O antropocentrismo não pode restringir o homem em si mesmo. A isso poderíamos chamar de egocentrismo, na melhor hipótese.
Em boa hora surgem as palavras do teólogo alemão, Dietrich Bonhoeffer: “O baile de máscaras do mal confundiu os conceitos éticos. Para a pessoa que vem de nosso universo conceitual ético tradicional, é realmente desconcertante que o mal possa tomar a forma de luz”.