Sábado, 20 de Abril de 2024

Coluna Draft: ‘Racismo e Futebol: Game Over!’, por Edgar Talevi

2022-04-29 às 11:02
Foto: Ricardo Stuckert/CBF

O racismo é um dos atos mais repugnantes e abjetos a que o ser humano pode chegar. Tal crime evidencia covardia, intolerância, idiotia e insanidade. No entanto, somente o braço da lei não é o suficiente para resultar em banimento do problema. É preciso mais do que isso.

Em jogo válido pela Conmebol Libertadores, no Estádio Neo Química Arena, entre Corinthians e Boca Juniors, um “torcedor” do time argentino foi flagrado imitando um macaco à torcida corinthiana, em atitude absurda e que causa náusea ao bom senso. O torcedor foi preso e, após pagar fiança, liberado.

Atos semelhantes insistem em se repetir pelo mundo, não só no Brasil. A cena tem sido comumente associada aos palcos do esporte, em especial ao futebol, em que deveria ser uma festa popular, de disputa de times, adversários sim, inimigos, jamais. Entretanto, o crime do racismo tem reverberado cada vez mais e poucos bons resultados são alcançados na luta contra esse mal.

Resta provado que a esfera penal deve se encarregar de punir tais criminosos de modo a coibir novos atos, mas o banimento da conduta passa, em primeiro lugar, pela consciência de suas origens.

O sectarismo racial não é novidade no mundo. Na verdade, remonta há muitos séculos. Na história moderna, para que se tenha um recorte mais sucinto de sua infeliz trajetória, é nos séculos XVI e XVII que ganha força. Os povos praticavam escravidão e, há alguns séculos, usavam-na contra pessoas na África e no Novo Mundo. A história do racismo no mundo ocidental é amplamente associada à forma primitiva do colonialismo.

Percebe-se, neste entendimento, que a segregação racial se dá em uma perene disputa de poder, de território geográfico, político e intelectual, em que predominam os mais privilegiados em desfavor dos mais vulneráveis socialmente por culpa de um processo de desconstrução assídua de concepções ideológicas, políticas, de modo a compor quadros oligárquicos de governança.

Escravos, nesta perspectiva, eram produtos de comércio, como bens de consumo. A “privatização” da raça tornou-se abrangente em muitos lugares do mundo, associada aos volumes de negócio e riqueza de conglomerados de classes dominantes. A isso podemos chamar de imperialismo racial, ou, em palavras mais assertivas, organização criminosa contra a humanidade.

Não à toa a luta maniqueísta do bem contra o mal impor sua agenda contra o desvario da separação racial. O pensamento de superioridade foi capaz de matar, ofender a honra e humilhar o indivíduo e, mais que isso, desumanizar o processo de construção de um ideal de civilização. No racismo impera a intolerância da presença do outro no mundo. O “eu”, inflado pela egolatria, narcisismo e falta de pertença à existência pacífica fecunda o dilema da perpetuidade da malignidade que resiste na mente doentia de uma pessoa racista.

Outro fato de relevância e basilar na compreensão da fenomenologia do racismo é que somente por meio de uma Educação humanista a sociedade será capaz de erradicar o obscurantismo da segregação colonial e imperialista da luta entre as raças. Mas isso não é uma mera questão pedagógica. Seus instrumentos perpassam todo o sistema de valores de uma nação e, por fim, de toda a sociedade.

Percebe-se, ao arrepio da sobriedade, que certos grupos não se dispõem a abandonar seu status quo, portanto o embate é ainda mais difícil e inseguro, pois milita contra forças poderosas que detêm relevantes predicados de governança, seja material ou imaterial, em um cabedal de arquétipos que fazem parte do inconsciente coletivo de determinadas classes.

Não obstante, a Educação é sempre fruto de paradigmas, quer queiramos ou não. É possível “escravizar” pensamentos e convicções através do sistema educacional, porém, pelo mesmo direcionamento, empoderamentos podem ser construídos e refeitos, a depender do resgate da liberdade de cátedra e rompimento do cativeiro a que uma época do recorte diacrônico da sociedade é acometido.

“Quando todos pensam da mesma forma é porque ninguém está a pensar”, afirmou Walter Lippman. Neste ínterim, elucida-se o comportamento de desbravamento que o processo de libertação da escravidão moral e ética impõe à sociedade. Pensar em desconstrução, no sentido de transformar – mudar a forma -, do grego “Metanoia”, é uma evolução civilizacional. Ademais, nenhuma imposição deverá ser cartilha de convenção ou subordinação dentro das cátedras escolares. A liberdade chama à emancipação, e isso ocorre mediante a composição de múltiplos currículos transversais que experimentam os fatores sociais mais abrangentes, sem distinção de raça, gênero ou credo.

Educação livre, libertária – não ideologicamente imposta, quer seja pela direita ou esquerda -, que ligue o passado ao presente, em contínuo processo de estrutura de construção de conhecimento, de modo a elevar seus ideais na compilação de dados que forneçam base para uma holística percepção do futuro é o caminho para dirimir dúvidas e banir os ataques ao humano.

Em uma Magna obra humanizadora, tipicamente feita como legado para a liberdade de todos os povos, a saber, a Bíblia Sagrada, encontra-se um versículo que demonstra, com fidedignidade, o sentimento que deve prevalecer na conduta a que todos somos chamados: “Se vocês de fato obedecerem à lei do Reino encontrada na Escritura que diz: Ame o seu próximo como a si mesmo, estarão agindo corretamente. Mas, se tratarem os outros com parcialidade, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores.” (Tiago 2:8-9).

Note-se que as Escrituras, compostas pela Inspiração da Liberdade em um Reino Espiritual, mas possível na Terra, para a humanidade, estabelece a união dos povos. Portanto, nenhuma ofensa pode ser maior que arrogar a si o sentimento de superioridade. A isso chamamos crime.

No que respeite ao futebol, tema árido em dias de falta de bom senso e robusto de maus exemplos nas arquibancadas, o jogo tem sido, dia após dia, perdido em virtude dos que insistem em dilapidar o direito à existência da pluralidade de opinião. Mas, quando atinge a honra e ataca a pessoa humana do outro, é crime. E nada mais covarde, nojento e torpe como tal conduta.

Torçamos nós para a agremiação pela qual tivermos maior apreço. Vença o clube com melhor desempenho. Convivamos com o diferente em respeito mútuo e sempre em equilíbrio, na certeza de que, quando o racismo começa, o jogo acaba. Game Over!

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.