Sábado, 04 de Maio de 2024

Coluna Draft: ‘Sem Crise na Crase!’, por Edgar Talevi

2024-01-02 às 10:00

Sem Crise na Crase!

“A crase não foi feita para humilhar ninguém!” Sábias palavras do encantado poeta Ferreira Gullar. Mas, por que, afinal, temos tanto medo de “crasearmos” os termos da oração? Falta-nos coragem ou seria um simples pudor sintático? Faz muita diferença o uso ou não uso de um sinal tão singelo (`)? Para Gullar: “O acento indicador de crase pode alterar a estrutura da frase e o teor da mensagem, ou seja, pode mudar tudo.”

Concordo em gênero, número e grau com o poeta, pois a crase muda o destino dos sentidos e das percepções de uma frase. Assim, não podemos desperdiçá-la sem antes darmos uma “chance” a ela.

Não pretendo exaurir o tema, tampouco chatear os prezados leitores com longevas e prolixas explicações e apresentações de regras. Vamos às mais simples e comuns para começarmos bem nosso bate-papo.

Primeiramente, desfaçamos um absurdo gramatical: “crase não é acento gráfico!” Quando formos estudar crase, jamais a encontraremos na seção de acentuação gráfica, pois se trata de norma sintática, não ortográfica. Pronto! Assunto encerrado! Mas, então, o que ela é?

Crase é a junção de vogais iguais: A + A, em que, geralmente, temos um artigo (A) mais preposição (A). À união de artigo mais preposição, sendo repetitivo (mal de professor “cringe”) -, damos o nome de crase.

Um exemplo fácil de se entender é o seguinte: Obedecemos à norma. Notemos que, nesta frase, existe um verbo transitivo indireto (que rege preposição A) mais um substantivo abstrato “norma”, que permite um artigo feminino que o antecede (A).

Essa é a regra universal, portanto:

  • O termo antecedente exige a preposição A;
  • O termo consequente aceita o artigo A.

Nota importantíssima: Não ocorre crase antes de nomes masculinos (exatamente por não haver artigo feminino (A) antecedendo o vocábulo masculino). Exemplo. Caminhava a passo lento (sem crase).

De igual modo, não ocorre crase antes de verbo (pelo mesmo motivo do item anterior): Estou disposto a falar (sem crase).

Casos especiais (meus favoritos!) Vamos a eles:

Vou A Brasília – não há crase;

Vou À Bahia – há crase.

Mas, por quê? Vale um “macete” muito usado em cursinhos pré-vestibulares (onde tudo começou em minha vida gramatical!) Observemos: Quem vai A, mas volta DA, crase haverá! Quem vai A, mas volta DE, crase pra quê?

Assim, repitamos com outros exemplos. Fui a Curitiba (voltei DE Curitiba) – sem crase. Fui à Amazônia (voltei DA Amazônia) – com crase. Muito simples!

Sigamos com novos casos especiais:

Em meio a palavras repetidas, jamais haverá crase: Venceu de Ponta a Ponta! Falamos Cara a Cara!

Na indicação de hora, quando esta for exata, haverá crase:

Saímos às 15h. Chegamos às 15h30min. Ele veio à uma hora.

Porém, com hora inespecífica, não haverá crase: Ela virá me visitar a uma hora qualquer! Sem nadinha de crase!

Antes da palavra CASA: somente se esta for especificada:

Os irmãos chegaram à casa dos pais. Viajei à casa de campo. Talita foi à casa da mãe dela.

Caso contrário, sem crase: Chegamos a casa. Viram como é fácil?!

Opa! Não deixemos de lado um outro caso muito específico: Antes da palavra TERRA: somente se for referente à Terra natal ou planeta. Em oposição a mar, não há crase:

  • Já chegaram à terra dos antepassados;
  • Os astronautas voltaram à Terra;
  • Os marinheiros chegaram a terra (oposição à água, sem crase).

Notem, prezados leitores, que aqui foram algumas regrinhas básicas, mas muito importantes. Como o objetivo é ser didático e não extenuante, selecionei as “mais usadas”. Em breve novos capítulos!

Ah! Não posso deixar de contar uma “croniqueta” da vida moderna. Houve um “célebre” parlamentar que, em dado momento, teve a ideia de apresentar um projeto de lei que propunha a proibição do uso do (`) – nossa crase! Quanta bobagem na bagagem! Vejam a quantas anda a agenda política de nosso país!

Encerro nossa crônica desta terça-feira com mais uma frase de nosso ilustre Ferreira Gullar: “Uns craseiam, outros ganham fama!”

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.