Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Coluna Draft: ‘Sem Crise na Crase!’, por Edgar Talevi

2022-04-20 às 10:58

“A crase não foi feita para humilhar ninguém!” Sábias palavras do encantado poeta Ferreira Gullar. Mas, por que, afinal, temos tanto medo de “crasearmos” os termos da oração? Falta-nos coragem ou seria um simples pudor sintático? Faz muita diferença o uso ou não uso de um sinal tão singelo (`)? Para Gullar: “O acento indicador de crase pode alterar a estrutura da frase e o teor da mensagem, ou seja, pode mudar tudo.”

Concordo em gênero, número e grau com o poeta, pois a crase muda o destino dos sentidos e das percepções de uma frase. Assim, não podemos desperdiçá-la sem antes darmos uma “chance” a ela.
Não pretendo exaurir o tema, tampouco chatear os prezados leitores com longevas e prolixas explicações e apresentações de regras. Vamos às mais simples e comuns para começarmos bem nosso bate-papo.
Primeiramente, desfaçamos um absurdo gramatical: “crase não é acento gráfico!” Quando formos estudar crase, jamais a encontraremos na seção de acentuação gráfica, pois se trata de norma sintática, não ortográfica. Pronto! Assunto encerrado! Mas, então, o que ela é?

Crase é a junção de vogais iguais: A + A, em que, geralmente, temos um artigo (A) mais preposição (A). À união de artigo mais preposição, sendo repetitivo (mal de professor “cringe”) -, damos o nome de crase. Um exemplo fácil de se entender é o seguinte: Obedecemos à norma. Notemos que, nesta frase, existe um verbo transitivo indireto (que rege preposição A) mais um substantivo abstrato “norma”, que permite um artigo feminino que o antecede (A).

Essa é a regra universal, portanto:
1. O termo antecedente exige a preposição A;
2. O termo consequente aceita o artigo A.

Nota importantíssima: Não ocorre crase antes de nomes masculinos (exatamente por não haver artigo feminino (A) antecedendo o vocábulo masculino). Exemplo. Caminhava a passo lento (sem crase).

De igual modo, não ocorre crase antes de verbo (pelo mesmo motivo do item anterior): Estou disposto a falar (sem crase).

Casos especiais (meus favoritos!) Vamos a eles:
Vou A Brasília – não há crase;
Vou À Bahia – há crase.

Mas, por quê? Vale um “macete” muito usado em cursinhos pré-vestibulares (onde tudo começou em minha vida gramatical!) Observemos: Quem vai A, mas volta DA, crase haverá! Quem vai A, mas volta DE, crase pra quê?

Assim, repitamos com outros exemplos. Fui a Curitiba (voltei DE Curitiba) – sem crase. Fui à Amazônia (voltei DA Amazônia) – com crase. Muito simples!

Sigamos com novos casos especiais:
Em meio a palavras repetidas, jamais haverá crase: Venceu de Ponta a Ponta! Falamos Cara a Cara!
Na indicação de hora, quando esta for exata, haverá crase:
Saímos às 15h. Chegamos às 15h30min. Ele veio à uma hora.
Porém, com hora inespecífica, não haverá crase: Ela virá me visitar a uma hora qualquer! Sem nadinha de crase!
Antes da palavra CASA: somente se esta for especificada:
Os irmãos chegaram à casa dos pais. Viajei à casa de campo. Talita foi à casa da mãe dela.
Caso contrário, sem crase: Chegamos a casa. Viram como é fácil?!

Opa! Não deixemos de lado um outro caso muito específico: Antes da palavra TERRA: somente se for referente à Terra natal ou planeta. Em oposição a mar, não há crase:
1. Já chegaram à terra dos antepassados;
2. Os astronautas voltaram à Terra;
3. Os marinheiros chegaram a terra (oposição à água, sem crase).

Notem, prezados leitores, que aqui foram algumas regrinhas básicas, mas muito importantes. Como o objetivo é ser didático e não extenuante, selecionei as “mais usadas”. Em breve novos capítulos!
Ah! Não posso deixar de contar uma “croniqueta” da vida moderna. Houve um “célebre” parlamentar que, em dado momento, teve a ideia de apresentar um projeto de lei que propunha a proibição do uso do (`) – nossa crase! Quanta bobagem na bagagem! Vejam a quantas anda a agenda política de nosso país!

Encerro nossa crônica desta quarta-feira com mais uma frase de nosso ilustre Ferreira Gullar: “Uns craseiam, outros ganham fama!”

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.