A fronteira do pensamento é uma barreira imposta, como uma metafísica produzida pelo abantesma das vicissitudes da psique e da afrodisíaca relação com extremos de modo a formar a síndrome da militância irreal, totalmente idealizada e utópica, em linguagem ideologizada.
Romper com as linhas opostas de insofismáveis campos do saber e das forças de pautas nas veredas da esquerda, direita e, agora, com o pós-moderno termo “centro”, tão somente para citar agendas políticas, é perscrutar a liquidez – ao estilo de Zygmunt Bauman – de uma modernidade/sociedade indigestamente fadada ao insucesso e voltada ao anacronismo de uma agenda que não ultrapassa o seu próprio espaço/tempo.
Resta provado que as contraculturas têm o poder de capitalizar movimentos que agregam múltiplos significados e características que personalizam segmentos outrora devassados pela idiotia e sectarismo pária a que eram submetidos em obverso. Não obstante, singularizar quaisquer tratos sociais como ímpares não parece razoável à medida que enfrenta lápides cronológicas em permanente erosão com entradas de novas verdades como detentoras da razão.
A este respeito, Immanuel Kant, em “A Crítica da Razão Pura”, afirma que: “Não é uma e a mesma coisa pensar um objeto e conhecer um objeto”. A razão, para Kant, no nível da construção do conhecimento – sem escape ao jargão de Vygotsky -, constrói-se a partir do fenômeno que alia a intuição sensível ao conceito do intelecto.
Neste sentido, não se “cria”, nem se “forma” razão sem subjetividades, tampouco a ela se dá razão sem que haja multiplicidade de fenomenologias que se moldam e costuram a tecitura, a urdidura das relações sociais interpessoais.
Nesta perspectiva, residem os fatos sociais, a que assim foram chamados e aclamados por Émile Durkheim, sendo estes os instrumentos sociais e culturais que determinam a maneira de agir, pensar e sentir na vida de um indivíduo, em nada obstando ter isso aplicado no trato coletivo.
Destarte, voltando ao pensamento Kantiano, este define ideais como objeto da Razão Pura. Esta, para o autor, não pode ser conhecida por não conceber fenômenos observáveis – com a devida vênia pela redundância necessária ao termo -. Deus, alma e Mundo, por exemplo, seriam pura metafísica. Evidente que o pensamento de Kant, embora vanguardista, hoje parece anacrônico, mas se tratava de um atrelamento ao século XVIII.
Hodiernamente não se faz ciência pura sem um pensamento metodologicamente ateísta, no sentido de se abstrair o real para a comprovação de dado fenômeno por possibilidades de repetição, aos moldes científicos, por meio de teorias que se verifiquem prováveis.
Entrementes, o que não falta à sociedade da militância ideológica, segundo a versão do materialismo e da luta de classes, conforme definiu Karl Marx e esbravejou seu sucessor, Antonio Gramsci, é a toxicidade em relação a pautas que fogem ao seu “status quo”. Vale lembrar, como mero apêndice, que o termo ideologia foi, inicialmente, cunhado pelo Francês Antonie Louis Claude Destutt de Tracy (1754-1836). Este filósofo empregou o vocábulo ao vernáculo de seu idioma e ao léxico científico pela primeira vez em seu livro “Elementos de Ideologia”, de 1801, para designar o “estudo científico das ideias”.
Percebe-se que, para Tracy, ideologia nada tinha a ver com relação de pautas e bandeiras que se empunhavam como prioridades de agenda e política pública como hoje se vê no Brasil e mundo a fora.
Exemplos não tão distantes não faltam. A constante erotização e a forma verborrágica violenta no discurso com que temas comportamentais são tratados fazem com que conservadores nos costumes fiquem à margem, como se párias fossem, suprimidos de uma agenda progressista. A isso é forçoso afirmar que progresso não tem relação intrínseca com esquerdismo ou qualquer ismo que possa advir da “causa turpis”.
A esquerda, em um movimento ao arrepio da razão, em uma análise intracorporis arregimentada por Kant, e dos fatos sociais estabelecidos pelas flutuantes relações percebidas por Durkheim e ao dissabor da certeza do discurso ideológico assertivo dos excertos “conditio” de Tracy, busca evidenciar o inexorável escapismo à tangente pela insegurança de si mesma e suas pautas “corpus alienum”.
Neste diapasão, quando se proliferam novas meias verdades e intempéries advindas destas é necessário separar o lobo das ovelhas, de modo a salvaguardar a tão sôfrega democracia incipiente de um país que sofre as mazelas de (des)governos ora de esquerda, ora liberais, mas que tolheram da sociedade o direito ao verdadeiro Estado Democrático de Direito, quando este se arremessa às condições de sustentabilidade econômica e social do bem maior da sociedade – as pessoas.
É preciso pôr sempre à prova os entes institucionais e políticos para que se reconheçam infraconstitucionais e se rechace qualquer forma de coibição de liberdade de expressão dos socialmente mais vulneráveis.
A polarização entre esquerda/direita e, agora, também a “neológica” terceira via deixa um legado de vazio de ideias, ideais e razão, haja vista a sede de poder, a fisiologia posta à mesa do sistema pragmático das estruturas de poder político bicameral do Congresso Nacional e de um Executivo com pouca influência para mudar as regras de um jogo que já se inicia com placar baldado.
Ao ler Arthur Schopenhauer, é possível vislumbrar seu célebre pensamento de que o homem não é um ser unificado e racional, que age conforme os interesses, mas um ser fragmentado e passional, que age influenciado por forças que fogem de seu controle.
É, no mínimo, ignominioso ver o sectarismo da sociedade das “ideologias”, das pautas pós-modernas, das agendas da pós-verdade subtrair as verdades a que todos somos lançados, a saber, de que somos movidos por paixões. Sendo assim, conforme Schopenhauer, não há saída nem remanescente. O humano de esfacelou na figura da humanidade. Nem a dramaturgia de William Shakespeare conseguiu avançar o suficiente na derrocada dos valores que ora se enveredam por descaminhos conflituosos com a verdade que cada um carrega consigo.
Ainda para Schopenhauer, “Já a essência de toda ciência consiste em coligirmos a diversidade sem fim dos fenômenos intuitivos comparativamente (…)”. O autor versa sobre o sutil e bem-afamado respeito e tolerância para com todos. Mas, note-se que, para alcançar o equilíbrio, ou melhor, a equânime fração da liberdade a que todos têm direito é necessário permitir a coexistência dos opostos e dos contrários, mesmo que dado indivíduo não se molde pelos filtros dos nossos olhos.
Não será a esquerda e suas pautas vorazes que eclodirá um absolutismo impenetrável aos conservadores que mantêm seus plenos direitos como pessoas humanas e pensadores de seu tempo. Tampouco serão martirizados os que pela esquerda se movem rumo a uma luta por dada causa que permeia toda uma vida. Certamente não deveria lograr êxito o centro como avenida para o desfile de personagens quase míticas que surgem, despontam e desaparecem de quatro em quatro anos – vide outsiders de 2018.
A Democracia não é uma Síndrome Ideológica. O sistema de poder que emana do povo é participação e perenização de representação que protege a todos e todas, mas mantém os valores individuais, pelos quais conservadores e progressistas – se é que não são sinônimos – são vistos, mostram-se e dão visibilidade a toda a sociedade.
Um dos maiores pensadores e Literato da Língua Portuguesa, autor de Ensaio sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez (este último com todas as recomendações) e Nobel de Literatura em 1998, José Saramago, assim descreve o poder:
“Não são os políticos os que governam o mundo. Os lugares de poder, além de serem supranacionais, multinacionais, são invisíveis.”