Social: Um Problema na Rede
Existe liberdade em uma sociedade presa ao emaranhado das redes sociais? Até onde opera o arbítrio do indivíduo em detrimento do processo de alienação que se perpetua no trato psicossocial e mercadológico que engendra arquétipos coletivos?
A discussão em torno da liberdade é inamovível do pensamento humano. Em Hume, filósofo do século XVIII, o tema encontra valhacouto, na suma de sua crítica: “A liberdade, quando oposta à necessidade, não é senão a ausência desta determinação e a presença de certo abandono ou indiferença que sentimos”. Percebemos que, para o supracitado autor, o sentimento de livre-arbítrio perpassa o entendimento de desfazimento da pertença ao objeto de realidade intrínseca, objetivando o tangível por meio da práxis.
É neste contexto que o “apagão” das redes sociais mais utilizadas do mundo, na última segunda-feira, 04 de outubro, gerou angústia em escala global, principalmente no público adolescente, que tem como consueto o uso das mídias para comunicação interpessoal.
As empresas, no entanto, que se valem das redes sociais para empreendimentos, bem como trabalhadores informais, sistemas de ensino, estudantes e professores sentiram a “falta” das ferramentas digitais, no ambiente da operacionalização de seus encargos. Porém, nada a que se comparar com o “vazio” deixado na alma de adolescentes, jovens e adultos com dependência ou uso patológico da internet.
A esse respeito, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou, oficialmente, no rol de doenças, o gaming disorder (transtorno dos jogos eletrônicos, em Português), dando margem a uma interpretação mais ampla sobre o fenômeno das redes sociais, haja vista estarem enquadradas no mesmo espectro patológico.
Nativos digitais, tais como identificou o educador Marc Prensky (2001), no tocante à geração “Z” – nascidos a partir de 1995 – parecem possuir habilidades inatas às tecnologias. A discussão em torno desse assunto requer análise holística, subjetiva e empírica da academia, para que se estabeleça o limite entre o aceitável, adequado, e do anormal, excessivo.
Identificar o problema, em casa, é imprescindível aos pais, a tempo de haver uma intervenção psicológica ou médica para que sejam evitadas crises de ansiedade, privação de sono dentre outros correlatos constantes de orientações profissionais. Nesta perspectiva, uma análise publicada na Molecular Psychiatry, investigou 11.067 crianças, entre 9 e 11 anos, com uso exagerado de meios eletrônicos, e sua relação com o sono.
O resultado comprovou que dormir pouco – um dos sintomas do vício em internet – criou problemas de saúde mental, tais como depressão, ansiedade, comportamento impulsivo e baixo desempenho cognitivo. Outra análise semelhante, realizada junto ao Swiss Tropical and Public Health Institute, com um grupo de 700 adolescentes, entre 12 e 17 anos, no período de um ano, demonstrou que o efeito cumulativo da radiação do celular criou um resultado negativo no desenvolvimento e desempenho da memória figurativa, ou seja, um dano ao “arquivo” mental que retém a representação das experiências de vida, tais como sons, cores, odores e afins.
Doravante, há que se considerar de que modo a sociedade, em especial as instituições educacionais, que ora começam a receber esse público, poderão intervir para que haja colaboração no processo de desarraigamento das vicissitudes nas redes sociais, de modo que haja equilíbrio no uso das mídias.
Reuniões pedagógicas e formações continuadas de professores têm, continuadamente, abordado o tema da presença dos celulares em sala de aula, no cenário pós-pandemia. Isso aponta para um futuro ainda mais tecnicizado e dependente de produção de conteúdo digital.
A exclusão dessas ferramentas tecnológicas da sala de aula, em plena conjuntura em que elas validaram os anos letivos de 2020 e 2021, em todo o país, não deve ser a tônica para o momento. No entanto, o uso ideal das TICs na educação deverá ser baseado em construção de conhecimento, com intencionalidade pedagógica, que favoreça a aprendizagem, sem que, para isso, haja a desvalorização do protagonismo do professor.
Para João Batista Oliveira e Araújo, presidente do Instituto Alfa e Beto, no respeitante à pauta, nenhuma tecnologia supera a qualidade do bom professor. Ademais, segundo o especialista, o sucesso das tecnologias depende da qualidade dos softwares usados e do modo de utilização, o que nem sempre está incluído nas redes públicas de ensino, maiores provedoras educacionais do Brasil.
Coibir não é o caminho, mas o uso indiscriminado perfaz ainda mais o desejo de liberdade jamais saciado pelos adolescentes e jovens vítimas do transtorno do vício em internet. O equilíbrio está no diálogo entre família-escola-profissionais da saúde, para que haja o devido encaminhamento, a quem interferir possa e deva, no intuito da preservação da saúde mental desses indivíduos que são vítimas colaterais da Pandemia.
O professor e filósofo Mário Sérgio Cortella, em sua obra “Por que fazemos o que fazemos?”, lança mão do pensamento de Karl Marx, quando este investiga sobre a liberdade. O ponto de partida do pensamento deste autor, para Cortella, é o fato de que há uma distinção muito clara entre os dois reinos da vida: o da necessidade e o da liberdade. Para Marx, no reino da necessidade, eu não posso deixar de fazer aquilo que faço, senão pereço. No reino da liberdade, a vida é escolha.
Neste diapasão, notamos que o preço da liberdade é a escolha, contingência ainda mais beligerante, pois somos livres para escolher, mas jamais da necessidade da escolha. Isso nos leva novamente a Hume: “Ora, reconhece-se universalmente que esta lliberdade incondicional encontra-se em todo homem que não esteja prisioneiro ou acorrentado”.
Se não é possível prever o futuro da tecnologia, tampouco se pretenderá atingir a perfeição quanto ao uso, mas jamais deveremos preterir a reflexão e a dialética do debate sobre o assunto, embasados sempre na academia médica e psicológica, mediada pela escola e amplamente amparada pela família. Somente assim será possível ressignificar a vida social em meio a tanta rede individual, ou, ainda, a vida individual, em meio a tanta rede social.