Qual celebridade artístico -musical, em meio ao seu show, nunca ouviu a famosa frase “Toca Raul” atire a primeira pedra! Raul Seixas vive, e seu legado permanece inamovível na cultura e arte brasileira.
Nosso pensamento, ideias e subjetividades são formados pela linguagem. Ao menos é o que atesta o linguista Guy Deutscher, em artigo publicado na revista “New York Times.” Isso significa que nosso mundo, nosso “eu”, a compreensão de nossa existência se deve à comunicação.
E, quando nos referimos à linguagem, sabemos o quanto esta foi muito bem utilizada por Raul Seixas para construir seu/nosso mundo, mesmo utópico, mas sempre idealizado, em que vislumbramos a esperança em meio à caótica realidade
Cantor, compositor e produtor de Rock, às vezes chamado de “Pai do Rock brasileiro”, Raul jamais fugiu à baila de uma reflexão crítica e síncrona com o momento pelo qual sua época passava. Nascido em Salvador, dizem alguns desavisados que morreu em São Paulo – mal sabem que ele, assim como Elvis, não morreu -, concedeu à música brasileira e mundial um enredo escrito em 21 álbuns.
Tipicamente militante da arte brasileira como um todo, misturou ritmos, experimentou sabores estéticos e notas que são longevas. Disse, certa vez: “Deixe-me cantar, deixe-me cantar!”
Paulo Coelho, inseparável amigo, imortal da Academia Brasileira de Letras e best-seller mundial, sempre esteve ao seu lado, como está ao lado das Letras que compõem o arsenal musical do “Raulzito!”
“Nasceu há dez mil anos atrás” (o pleonasmo é pura licença poética). Conhecia muito do mundo exterior e interior de cada um de nós. Não havia nada de que ele não soubesse demais. Viveu muito além de sua época.
A mosca na sopa sempre será nossa pulga atrás da orelha, quer seja no jogo político, quer na vida individual. Sempre teremos nossos fantasmas perturbando-nos com a ansiedade do futuro, impedindo o presente e nos fazendo reviver o passado.
Ao mesmo tempo, a tal mosca faz com que saibamos que existe alimento à mesa, mas precisa ser conservado em tempos sombrios de brigas, embates, desvarios e bravatas. A mosca eternizada na letra da música de Raul não se permitia ser dedetizada e estava a velar nosso sono, no quarto a zumbir.
Mas, caso Raul Seixas estivesse narrando o jogo da vida em nossos dias, o que diria a nós sobre o Brasil hodierno? Penso que, como sua letra: “Plunct Plact Zum, não vai a lugar nenhum”, se falássemos em política, certamente ele não gostaria de voltar ao passado, nem repetir o presente, tampouco arriscar arroubos outsiders. Ele, afinal, é fora de seu tempo, e nós, vítimas das circunstâncias, meros mortais!
A letra de “O Carimbador Maluco” segue: “Pra Lua: a taxa é alta. Pro Sol: identidade!” Previu o poeta que a Lua não seria de Mel, afinal, nem mesmo a comida nos é cedida sem alta taxa. O Sol nos pede identidade. Teríamos a identidade do progresso em nossa Pátria? Tivemos alguma vez?
A vida, como já pensava o Maluco Beleza, é um Trem. Perguntou ele: “Quem vai chorar? Quem vai sorrir?” Seria um par ou ímpar a decisão? Ele enfatiza: “O trem está chegando, tá chegando na estação!” À qual estação chegará para que não o percamos? Existe melhor horário para sua partida? Dependeria de nossa vontade? Tantas perguntas… mas Raul era assim… uma eterna Metamorfose ambulante, pois não tinha uma velha opinião formada sobre tudo!
Permita-me, prezado leitor, que faça uma brevíssima digressão neste ponto: qual seria a origem da Frase que dá o título a este texto? Quem criou o “Toca Raul?”
Segundo o Presidente do Raul Rock Club, Sylvio Passos, ninguém pode afirmar com segurança de onde veio esse slogan. Desde shows de estrelas internacionais da música, como nacionais, o “Toca Raul” está presente. Para Tatá Aeroplano, criador da banda inspirada no álbum “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das dez”: o grito “Toca Raul” é uma espécie de disco perdido do Raul, uma onda iniciada logo após sua morte.
Independente de sua origem, a famosa frase é peça obrigatória nos barezinhos da vida e nas casas de show. Dificilmente alguém não a tenha ouvido, quando não clamado por ela.
Destarte, divaguemos: tão certa como incerta é a vida, Raul Seixas nos legou uma mensagem subjetiva, singular e subliminar que veste o manto da majestade da arte trajada em pura seda, fino linho que aformoseia o conteúdo e abastece a forma.
Contrariando o Nobel de Literatura, José Saramago, que, em sua obra “Ensaio sobre a Lucidez”, afirma que “As linguagens são conservadoras”, Raul Seixas não foi conservador em sua alma, antes a despiu e desejou ser visto e observado em sua nueza pelos transeuntes da arte.
Desse modo, Raul não apenas mostrou-se ao mundo. Foi além. Mostrou o mundo a nós. Um mundo nem sempre tragável ou palatável, mas, acima de tudo, um mundo possível!