Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Coluna Draft: ‘Vale a pena ler a Bíblia?’, por Edgar Talevi

2021-10-25 às 10:05

Vale a pena ler a Bíblia?

À medida que o conhecimento se multiplica, indagações surgem e fomentam a pesquisa e a construção do saber científico. Isso é fruto da evolução do pensamento, bem como do entendimento de que é preciso questionar paradigmas a fim de instaurar a verdade. Mas, nesta perspectiva, é possível afirmar, com base no ateísmo metodológico, que existe uma verdade inamovível, que resista ao tempo e ao arcabouço de especulações teóricas?

Dentre tantas perquirições acadêmicas, estaria a Bíblia incólume aos estalões por que trilham as concepções filosóficas, teológicas e empíricas da erudição científica moderna? A resposta à pergunta está na agnição da narrativa bíblica em consonância à inquirição desta ao julgamento percepcionado extemporâneo.

Há razões para conceder crédito à Bíblia face ao crivo da historicidade de seu enredo, do cabedal doutrinário referente aos dogmas de ética e moral – entenda-se moral distoante de moralismo – e da pertinência de sua intelecção que embasam a formação de um ideal de sociedade.

Examinemos, a priori, a formação do texto bíblico, tal como este chegou ao século XXI. Para tanto, entendamos que o termo Bíblia provém do grego biblion (rolo ou livro), diminutivo de byblos (papiro egípcio), provavelmente em alusão ao nome da cidade de onde esse material era exportado para a Grécia, Biblos, atual Jbeil, no Líbano.

A Bíblia é uma coletânea de 66 livros (incluindo cartas), na composição protestante, e 73 obras, versão católica romana. O judaísmo, no entanto, aceita como Escrituras Sagradas apenas o conjunto de livros do AT. Doravante, segundo a tradição aceita pela maioria dos cristãos, a Bíblia foi escrita por cerca de 40 autores, abrangendo mais de 1 milênio para que sua composição estivesse completa. Outro fator de notável destaque é a vendagem excepcional de exemplares, alcançando mais de 6 bilhões de cópias em todo o mundo. Isso demonstra, irrefutavelmente, o valor intrínseco que as Escrituras têm na orientação de indivíduos e sociedades em todos os continentes.

Entretanto, propomos uma análise crítica quanto à pertinência da leitura da Bíblia em tempos atuais. Deste modo, uma reflexão quanto às tratativas do enredo constante das obras sagradas evidenciaria a veracidade de suas tratativas, revelando verdades e/ou mitos no respeitante à historicidade de suas páginas.

Quando surgiu como saber moderno, no século XIX, a História privilegiou os documentos escritos, principalmente os de natureza oficial. Neste contexto, a Bíblia encontra guarida na análise historiográfica da academia, haja vista a multiplicidade de documentos aceitos para fins de averiguação científica.

Neste contexto, vejamos: Ninguém duvida da existência de personagens, ditos históricos, tais como César, Platão ou Homero. A credibilidade acadêmica dada a estes parece irrefutável. Para tanto, vejamos o respaldo histórico correspondente à veracidade atribuída aos nomes supracitados: César escreveu entre 100-44 a.C. O fragmento mais antigo de seus textos de que dispomos é de 900 d.C, tendo uma diferença de 1.000 anos. Possuímos, ao todo, 10 manuscritos de sua autoria.

Platão escreveu entre os anos de 427-347 a.C. A cópia mais antiga deste autor tem uma diferença de 1.200 anos. Possuímos apenas 7 manuscritos de sua autoria. Homero, clássico literato, redigiu Ilíada em 900 a.C. A cópia mais antiga que temos de sua obra data de 400 a.C, ou seja, 500 anos depois da composição original. Apenas 643 manuscritos existem hoje da Ilíada.

Em contrapartida, o Novo Testamento foi escrito entre 40-100 d.C. A cópia mais antiga deste é de 125 d.C, em uma diferença de apenas 25-50 anos. Ao todo, possuímos 24.000 manuscritos do Novo Testamento. Ademais, foram encontrados 5.300 manuscritos gregos do NT. Ainda temos 10.000 manuscritos latinos e 9.300 porções do NT em Latim.

Sigamos a comparação: A guerra Gaulesa, de César (58-50 a.C), possui 9 ou 10 cópias; a História Romana, de Livy (59 a.C – 17 d.C), tem 20 cópias; as Histórias de Plínio, o Jovem (61 – 113 d.C), têm apenas 7 cópias. Nesta perspectiva, seria a Bíblia Sagrada menos crível e passível de confiabilidade histórica que outras fontes antigas e consideradas de valor inestimável à humanidade?

Em relação à credibilidade do conjunto de normas éticas previstas na Bíblia, Thomas Hobbes, eminente pensador do século XVI-XVII, aceita a ideia de Deus e atribui ao ser divino características alheias ao sentimento humano, tais como localização e finitude. Hobbes aceita a religião e a percebe como fundamental à sociedade, não concebendo uma autoexclusão entre a cidade, com suas leis e a religião. As leis, para o autor, deveriam ser exaradas pela concepção de Reino de Deus, portanto evidenciando respeito à ordem da práxis religiosa, embasada nas Escrituras Sagradas. A este respeito, ele difunde a ideia de que o homem, ao saber do que precisa para entrar no Reino de Deus, tem o necessário para o bem viver no Estado.

Isaac Newton, um dos mais brilhantes cientistas da humanidade e pai da Física moderna, foi notório estudioso e devoto da Bíblia, investindo tempo na análise dos livros do profeta Daniel – AT e Apocalipse – NT. Alguns dos estudos apocalípticos de Newton estão na obra “As profecias do apocalipse e o livro de Daniel”.

Não obstante, célebres pensadores, tais como C. S. Lewis, ex-professor de Cambridge, literato, autor de diversos títulos, tais como “As Crônicas de Nárnia”; J. R. R. Tolkien, doutor em Letras, filólogo britânico, autor de “O Senhor dos Anéis”, construíram importantes diálogos que apontam para a aceitação da Bíblia e defesa da fé.

Não poucos teólogos, como Agostinho, Aquino, Hus, Calvino, Lutero, Tillich, Berkhof dentre outros sustentaram, em suas fenomenais obras, a fidedignidade da Bíblia frente aos efêmeros paradigmas humanos de pensamento. Destarte, paradigmas não faltam ao conjunto de estruturas academicistas modernas. Senão, vejamos: conceito de modernidade líquida (Zygmunt Bauman); pós-verdade – dogma que difunde a ideia da remodelação da opinião pública por meio de emoções, aquém da verdade e objetividade dos fatos; pós-humano – doutrina pela qual a arte contemporânea e filosofia equivalem a uma pessoa ou entidade que existe em um estado para além do humano.

Pensamentos fecundos não cessam nem “se bastam” para tentar explicar o movimento da humanidade em seu perene desenvolvimento. Mas, ao lançarmos mão da Bíblia, poucas verdades são tão objetivas e permanentes quanto aos assentos firmados pelas obras Sagradas. Neste ínterim, vale ressaltar que, ao contrário de tantos pensadores da humanidade, jamais a Bíblia Sagrada alterou seus posicionamentos nem mudou sua versão dos fatos. Isso demonstra confiabilidade às narrativas e dogmas presentes nela.

Voltaire, nobre filósofo iluminista, autor de “Cândido”, embora não tenha sido ateu, declarou que a Bíblia Sagrada e a religião não seriam aceitas no prazo de 100 anos. Um século mais tarde, a Sociedade Bíblica de Genebra comprou a editora e a residência que haviam sido de Voltaire e ali começou a imprimir as Escrituras Sagradas.

Não bastassem todos os argumentos supracitados, encontramos nas páginas da Bíblia o que não é possível perceber em nenhum outro livro, a saber, consolo, refrigério e paz. Isso carrega consigo a arregimentação de diversas religiões e sistemas de fé ao redor do mundo.

Vale, aqui, uma frase célebre de Immanuel Kant, autor de “Crítica da razão Pura”: “É minha fé na Bíblia que me serviu de guia em minha vida moral e literária. Quanto mais a civilização avance, mais será empregada a Bíblia”.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.