Todos os dias o menino ia à escola com as roupas amarrotadas e usava os mesmos sapatos, tinha os cabelos raspados e, na pele morena, os olhos negros, tais quais belas jabuticabas, transbordavam energia e alegria. Era um menino extremamente inteligente, hiperativo, porém, sempre apresentava a desculpa de que nada sabia, por isso, não poderia fazer as atividades propostas.
Os dias passaram e ele mostrou-se um menino muito educado, amoroso e prestativo, sempre ajudando a professora. As condições em que ia para as aulas permaneciam iguais, sempre as mesmas roupas e calçados, cadernos sujos e materiais faltando, mesmo assim nunca lhe faltava o sorriso no rosto e os braços sempre abertos para um caloroso abraço na recepção. Às vezes trazia nas miúdas mãozinhas uma florzinha murcha, que provavelmente retirou de algum campo a caminho da escola, entregando-a com muito carinho e delicadeza para a professora.
Num belo dia, a professora viu uma aluna ir até o menino e olhá-lo com desdém, dizendo em alto e bom-tom que ele precisava de um banho e roupas novas, pois todo dia ia com o mesmo tênis furado e fedido. O menino, envergonhado, sorriu, as palavras enrolaram-lhe a língua, então pôs-se em pé, pronto para enfrentá-la, e o sorriso continuava em seu rosto; para ele tudo era uma brincadeira, mas bem se sabe que seu comportamento apenas mascarava a dor que aquelas palavras lhe provocaram.
Logo chegou dezembro, mês do Papai Noel, todos os alunos escreveram cartas e fizeram desenhos contando o que queriam, e, ao serem questionados sobre o significado do Natal, disseram ser o dia de ganhar presentes! Todos pediram, bonecas, carrinhos, bicicletas, menos aquele menino, que fez duas cartas distintas, uma entregue secretamente à professora.
Numa carta havia um pedido comum, o desejo de ganhar um carrinho de controle remoto; na outra, escondida, dizia que antes de qualquer brinquedo queria roupas e calçados, mesmo que fossem usados, não apenas para ele, mas também para o irmão mais novo. A professora conteve as lágrimas diante do menino e sorriu, mas em casa chorou com a carta nas mãos… a professora era eu.
Em épocas festivas recordo-me do menino, assim como penso nas inúmeras crianças que passam pelas mesmas dificuldades. As escolas trazem realidades dolorosas, além da diferença de valores construídos pelas famílias. Atualmente, nossas crianças desconhecem o verdadeiro significado do Natal, não conhecem realidades diferentes, não sabem o que é respeito, empatia e doação, valores que deveriam ser construídos pela família. Por isso, reflito, penso se nós realmente compreendemos e difundimos o real significado dessa data.
Quando o Natal chegar você verá sua mesa farta, dará ao seu filho o presente tão desejado, estará rodeado por familiares, trocando embrulhos, sorrindo para as fotos, e lá, no cantinho de sua janela, estará o menino, ao som da música que diz: “Então é Natal, e o que você fez?”