Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024

Coluna Lettera: ‘Canções que marcam’, por Francielly da Rosa

2021-11-17 às 16:30

Canções que marcam

A janela revelava o dia ainda incipiente, os olhos preguiçosos se esquivavam da claridade que provinha de uma brecha entre as cortinas. Os ruídos, produzidos pelos passos no assoalho de madeira, e o som do rádio na cozinha revelavam que havia alguém acordado. Despertamos ouvindo aquela suave melodia, como um sussurro ao pé do ouvido.

Levantamos furtivamente, o corpo sonolento titubeava, mas, mesmo assim, continuamos andando levemente pelo corredor que dava acesso à cozinha. Era quase impossível manter o silêncio, logo, minha prima e eu, começamos a rir, diante de nossas feições ainda despertas e desarrumadas.

Adentramos a cozinha, nossos olhos analisavam milimetricamente cada canto em busca de nosso companheiro, porém, apenas encontramos nossa querida avó, que, após as bênçãos, nos informou que ele já havia saído.

Tomadas pela ansiedade, degustamos ligeiramente o café da manhã e corremos até o portão da frente da casa. Lá estava ele, caminhando alegremente, com passos ligeiros e os dedos frenéticos que encolhia e esticava, num alongamento ritmado.

Ao nos avistar, deixou escapar um sorriso, e deu sinal para que fôssemos ao seu encontro e participássemos da caminhada. Acompanhá-lo era algo difícil, nossas pernas, frágeis e curtas, custavam em dar longos passos como os dele, mas não demonstramos fraqueza, permanecendo nesse cansativo desafio, o que provocou o riso de nosso acompanhante. Assim que notou nosso esforço, e, para nos provocar, alongou ainda mais as passadas.

Todo o trajeto era seguido ao som de seus assovios, imitando as melodias do rádio, cantarolando baixinho alguma música antiga das quais gostava muito. Ninguém podia negar seu espírito alegre e festivo, abrilhantando as reuniões domingueiras nas quais nossa família se reunia e, ele, alegremente, dançava e cantava ao som do violão. Como não conhecíamos nenhuma das baladas que compunham seu repertório, passamos a inventar cantigas para acompanhá-lo.

Mesmo quando o sol não brilhava, quem por ali passasse veria o brilho no sorriso e no olhar daquelas pequenas meninas, pulando, correndo, brincando e cantarolando ao lado do avô.

É manhã, ouço o rádio tocar mais uma vez, escuto os passos no assoalho de madeira, entro na cozinha e vejo meus avós. Minha avó, ao me ver, entregou um pequeno embrulho e, ao abri-lo, sorri timidamente, tentando esconder minha alegria diante daquele presente inesperado.

Hoje encontrei a querida lembrança, e retirei da gaveta o pequeno rádio que ganhei. Observando-o, suspiro, e, se fecho os olhos, ainda posso ouvir a música que tocava naquela manhã, e ouço o cantarolar de meus avós, como se ainda estivessem aqui. É! Existem canções que nos marcam para sempre!

Coluna Lettera

por Francielly da Rosa

Francielly da Rosa é graduada em Letras Português e Inglês pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Atualmente, é mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, com ênfase em estudos literários, também na UEPG. Ela é escritora, cronista e coautora do livro "Crônicas dos Campos Gerais". Descobre, entre as palavras que lê e escreve, a motivação que sustenta seu viver. Escreve crônicas, contos, poesias e, às vezes, se aventura no gênero romance. Além disso, participa de projetos de incentivo à leitura e de outras atividades culturais. Possui diversas crônicas premiadas e publicadas em jornais e sites locais. Em virtude de seu trabalho como escritora, recebeu duas moções de aplauso da Câmara Municipal de Ponta Grossa. Também foi premiada no Festival Literário de São Caetano do Sul, na categoria miniconto, sendo a única representante da cidade de Ponta Grossa.