Achei que sabia mesmo o que era o amor, mas não, eu não sabia. Fui descobri-lo numa manhã de quarta-feira, quando o menino me esticou as mãozinhas pequenas, de dedos finos, entregando-me um pequeno papel com dobras que remetiam ao formato de um coração.
Era a terceira ou quarta tentativa dele em me entregar o papel; as primeiras foram todas frustradas, pois eu me envolvia com a agitação das crianças, tentando pô-las em ordem para o lanche. Então, levada pela distração, não atentei ao significado inicial. Porém, o menino não desistiu e soube reter-me à porta da sala de aula, dizendo:
— Olha… pra você, prô… que eu fiz…
Peguei o pequeno papel, de caligrafia difícil que eu não conseguia entender, e sorri, um sorriso meio apressado, meio desatento. Pedi para ele ler o bilhete para mim, já que eu não conseguia decifrar algumas palavras. O menino esforçou-se no entendimento da própria letra e foi silabando até que a frase se construísse:
— Aqui ó, prô… lin… da… e… char… mo… sa… e… te… a…mo… como… se… fosse… um… caroço… de… abacate…
Um outro colega que assistia à cena logo interveio:
— Quem é que gosta do caroço do abacate? Você come o abacate ou o caroço?
E o menino, com ar pensativo, respondeu:
— Ah, mas eu gosto muito do caroço…
O sorriso rompeu-me os lábios, e a atenção imediatamente se voltou à pequena figura de semblante concentrado na leitura, com seus dedos miúdos e trêmulos segurando o pequeno papel. “Te amo como se fosse um caroço de abacate!” Fiquei repetindo a frase mentalmente, entre a surpresa e a graça.
Sentei-me depois, já sozinha com o bilhete em mãos, e fiquei relendo. Por algum motivo maior, o caroço do abacate se entalara em minha garganta, como se ainda fosse necessário entendê-lo para enfim dissolvê-lo. Lembrei-me instantaneamente dos retalhos da história do menino, uma história que sei pouco, mas que, como retalho sendo, juntou-se a outros fragmentos que, costurados, formaram um panorama de entendimento maior e significativo.
Recordei então, no retorno das férias escolares, as histórias que o menino contara sobre as brincadeiras com os amigos, onde brincavam com os caroços de abacate, provavelmente de alguma árvore próxima do local onde morava. Lembrei, de igual modo, das dificuldades do menino, dos problemas de saúde de sua mãe, do abandono paterno e, pouco a pouco, soube…
Era o tão simples e insignificante caroço de abacate o mais nobre símbolo do amor que ele já conhecera. Quem sabe, nos dias em que a fome soube fincar as unhas naquele pequeno estômago, ele descobriu por acaso na redondeza um belo e robusto abacateiro, de onde retirou alguns frutos para o consumo. Quem sabe tivesse corrido para casa com os olhos sorridentes ante o fruto verde entre os dedos de unhas sujas, para abri-lo e então descobrir o caroço gordo que ocupava o meio do abacate. Ah! Mas que pena era mesmo que no lugar do caroço não houvesse ainda mais abacate para saciar a sua fome!
Ante tantos abandonos e problemas da família, sabia ele descobrir na vida simples e dificultosa os seus pequenos prazeres. Foi aí que descobriu no caroço do abacate a sua diversão. Degustou o fruto, e sobrou-lhe o caroço. Mais tarde, o caroço foi o seu objeto de entretenimento, na falta de brinquedos novos, que nunca viera a receber. Passou as férias brincando com o caroço do abacate. Ah! Abacate! Aliviara-me a fome e agora passa ainda seu tempo em minhas mãos, provocando o riso e o divertimento… Ah, meu amigo caroço de abacate, eu te amo!
Agora eu entendia tudo. O caroço do abacate era a referência mais próxima que ele tinha em sua vida de saciedade, diversão e, por que não, amor?! Porque, ocupando-se em casa na brincadeira infante, ainda soube tirar dele o ramo, plantá-lo entre os pedregulhos do peito e da vida em que nunca conhecera grandes luxos. Luxo mesmo era a barriga cheia de comida e o coração cheio de amor! Então, amava o caroço do abacate como jamais amara ou recebera amor antes. E, para a surpresa do menino, viera a encontrar no ambiente escolar também o seu conforto, a saciedade, a diversão e o amor… Eu era também um caroço de abacate… Alguém que ele via todos os dias, que lhe levava para o momento do lanche e depois para as brincadeiras que lhe tiravam sorrisos tão sinceros quanto suspiros de alívio de uma vida tão nova, mas já tão cansada.
Foi aí que descobri, graças ao menino, que não importam quais sejam as circunstâncias ao nosso redor, não importa o quão difícil seja a vida, o que importa são os nossos olhos sobre as coisas aparentemente simples, para alguns inúteis e bobas… Aos olhos certos, qualquer caroço de abacate vira mar de esperança, acalanto da fome, suporte para o amor que não é senão o cuidado da semente que, bem regada, produzirá frutos.
Ao final do dia, não me restou senão a certeza única de que a vida é eterno recanto de aprendizado e de ressignificação das coisas. Não importa o quão pequeno seja ele, será ainda importante para um outro alguém. Quem me dera, então, aprender a sutil arte de amar da forma mais simples, de viver da forma mais singela e de terminar o dia amando, mas amando como se fosse o menino com o caroço de abacate!