Céu alvacento, prenúncio de chuva, chuva que há de transbordar os regatos, chuva fonte de vida. Eu, vítima de seu olhar austero, aqui, a espreitar teu mau temperamento. Faz-me alvo e respinga em mim, pingos angustiosos de vida. E nas searas florescem as graciosas corolas, enquanto contemplo, nesta imensidão, o brilho que se foi, escondido entre as nuvens que, agora, cobrem-me a cabeça. Então, deixe que chova em mim, e que água, fonte de vida, leve em suas gotas minhas impurezas, para que, após esse belo banho, retorne renovado de tudo aquilo que atormenta e nubla minha mente.
Silêncio, clarões no céu, tudo tranquilo, uma tranquilidade assustadora. Vai, nuvem grandiosa, leva teu esplendor aos páramos, vai às regiões áridas que não podem ser regadas, e que tanta falta faz teus pingos de vida. Chove em mim, deserto; em meu deserto, meu caos, nada há, nenhuma flor sequer, apenas o terreno inculto onde se propagam as macegas. Chove na cabeça desses pobres coitados que perambulam por aí sem nada ter. Pobres somos todos nós; aquele que se sente um desgraçado, se não encontra na vida motivos, e que não contempla da vida as belezas.
A realidade dura, o féu a deslizar na cabeça dos inocentes; então vem, chuva, a molhar os seres que blasfemam contra ti. Tu, alvo dos poemas tristes, alvo dos olhares tétricos. Caminho pelas ruas a te esperar, sob os grandes clarões, os raios, os trovões. Quantas vezes nossa vida se faz assim, troveja e chove dentro de mim. Eu, que era tão habituado a contemplar os campos, admirar o entardecer e as pequenas coisas da vida… perjúrio, encontro-me sozinho, as belezas já não são mais as mesmas, pois, foram pelo tempo e progresso apagadas.
Agora, encontro em ti a vivacidade que me falta. Esperei por tanto tempo o sol que viesse desanuviar, retirar de mim as nuvens, desfazer meu semblante sorumbático. Como o sol tarda em chegar, eu, pobre ansioso, encontro em ti, em tua magnitude, os meus motivos. Ah! tantas coisas perpassam minha mente.
Tu, alvo de tantos poemas e de tantos protestos, vê-se aí, espreitando-nos, aguardando o momento certo para descarregar suas infindáveis gotas sobre nós. Nós que tanto reclamamos, reprimimos e negamos os nossos sentimentos, e, também, renegamos a ti, temporal, que é tão necessário para que resplandeça a vida. Você nos ensina que também é preciso suportar a tempestade para ver as flores se abrirem. Os botões, afagados por tuas gotas, em breve, em cores vivas nascerão. Então, que chova também em mim, que eu seja um botão prestes a florir, no aguardo de tuas gotas sagradas que me despejem vida.
Tanto tempo permaneci a contemplar o esplendoroso sol, que nos representa a vida, que esqueci o quanto o calor me desidratou. Quando tu chegas de mansinho, prestes a me devolver o brilho retirado pelos incontáveis dias e horas exposto à luz solar, eu, muito mal agradecido, desfiro golpes fatais, entre palavras de um poema que retrate e correlate você as minhas tristezas.
Ah! Alma ferida! Que nada sabe desta vida! Então chove em mim, chove, chuva sem fim, hidrata-me novamente, esse campo seco, essa boca ardente, faz transbordar os regatos, estende-se por todos os páramos, vai inundar a alma desses pobres inocentes, e faz florir o coração da nossa gente.