Sábado, 16 de Novembro de 2024

Coluna Lettera: ‘O inimigo do escritor’, por Francielly da Rosa

2022-02-13 às 10:34

“A tranquilidade nos traz as palavras mais doces… Em um ambiente de paz repousam os pensamentos mais puros… Ah! Mas há sempre uma pedrinha no sapato! E duro mesmo é quando a pedra mora ao lado!”

Ainda que tenha muito a dizer, às vezes, sinto que as palavras escapam entre os dedos, para depois surgirem em momentos inesperados. Em busca de encontrá-las, distancio-me das paredes que me cercam, e encontro no céu de fim de tarde meu refúgio. Os raios de sol veneram as árvores, baixando-se lentamente. A luz que toca as folhas verdejantes assemelha-se a uma fina camada de ouro, realçando o aspecto garboso das folhagens. As nuvens rareiam, e o azul claro do céu se desfaz em tonalidades mais escuras, às vezes, encoberto pelas nuvens cinzentas de chuva, que, impiedosamente, ofuscam o brilho e calor do sol. A brisa gélida a arrepiar a pele, avermelhando a cútis, anuncia o cair da noite. Pouco a pouco, toda a paisagem é tomada por um tom sépia que se estende por todo o entardecer.

Aprecio o sossego desse pequeno canto da cidade, onde os pássaros cantam a melodia leve e doce do porvir, mas até mesmo o lugar mais puro e tranquilo sofre pequenas perturbações, e é nesse momento que me fogem as palavras.

Passo dias abstraindo os sons ao derredor, habituo-me ao sonido ecoante dos carros que transitam na BR perto daqui, ou, ao ladrar dos cães, mas rejeito o estardalhaço proposital oriundo do comportamento espalhafatoso de alguns broncos. Em um dia, a música alta estende-se até o nascer do sol, junto a algazarra incansável; noutro, as portas, provavelmente com algum defeito, só fecham aos socos e pontapés, num estrondo que ecoa por toda a vizinhança.

Em um dia de coragem insana, em resposta ao alvoroço, dirigi-me até o recinto, em tentativa de restabelecer a tranquilidade, e, apesar da concordância inicial, os esforços foram inúteis, pois, outros dias seguiram carentes de respeito e empatia. Neste entrementes, palavras escapam, outras surgem conflituosas. Às vezes, numa brecha silenciosa aconchego-me, e, junto ao cenário natural, encontro a oportunidade perfeita para tecer um texto ou dois.

Repouso a cabeça no travesseiro e aguardo o enfado de mais um dia, até que, vez ou outra, seja surpreendida pelo silêncio ensurdecedor, e, surpresa, respire aliviada.

A tranquilidade nos traz as palavras mais doces… Em um ambiente de paz repousam os pensamentos mais puros… Ah! Mas há sempre uma pedrinha no sapato! E duro mesmo é quando a pedra mora ao lado!

Coluna Lettera

por Francielly da Rosa

Francielly da Rosa é graduada em Letras Português e Inglês pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Atualmente, é mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, com ênfase em estudos literários, também na UEPG. Ela é escritora, cronista e coautora do livro "Crônicas dos Campos Gerais". Descobre, entre as palavras que lê e escreve, a motivação que sustenta seu viver. Escreve crônicas, contos, poesias e, às vezes, se aventura no gênero romance. Além disso, participa de projetos de incentivo à leitura e de outras atividades culturais. Possui diversas crônicas premiadas e publicadas em jornais e sites locais. Em virtude de seu trabalho como escritora, recebeu duas moções de aplauso da Câmara Municipal de Ponta Grossa. Também foi premiada no Festival Literário de São Caetano do Sul, na categoria miniconto, sendo a única representante da cidade de Ponta Grossa.