O Segredo
De tudo que vivemos restam, aqui, num baú empoeirado, trancado no sótão das memórias, o agradável cheiro de seu perfume que me extasiava. E eu, tal qual criança que acabara de nascer, descobria o brilho da vida, o sentimento, o clímax de viver esse amor secreto, sob os olhos de todos, mas que apenas nós dois sabíamos.
Sempre gostei de amores intensos, à moda antiga; aprecio o toque, o perfume, os detalhes e, principalmente, as palavras. Suas palavras, para mim, doces canções, embalaram-me nas noites a fio até o amanhecer. Mesmo com os olhos cansados, gastos, marcados a cada dia por números que cresciam e engrossavam as lentes dos óculos, permaneci insistente, sem saber ao certo o caminho a seguir, sem querer pensar no final ou no que faria depois que tudo acabasse.
Seu nome tornou-se vaga lembrança, mas os momentos foram marcantes. Como num barco a vapor, embarquei em tuas letras, tão intensamente, que nos fundimos e nos tornamos uma só coisa. Apenas nos permitimos viver cada momento como se fosse o último, sem saber ao certo quando tudo chegaria ao fim. Eu o escolhi ou, talvez, ele me escolheu.
Lembro-me de cada passo naquele chão de madeira. Ninguém compreendia a importância das escolhas além das aparências, ou, talvez, eu fosse a única que pensava de forma diferente. Algumas amigas preferiram os robustos, os bonitos, atraentes, já eu era muito mais seletiva, observadora, atraída pelo conteúdo, pelo mistério e pela intensidade.
Não demorou muito para que nossa relação se intensificasse e, então, os amantes foram descobertos. Nosso segredo revelado em frente aos meus amigos e colegas de classe. Não era o momento oportuno para mantermos diálogo, mas ali estávamos. Ele sempre me arrancava sorrisos bobos em cada página, envolvia-me em suas palavras, até mesmo em horas inoportunas, como naquele momento, quando que fui interpelada pelo professor de filosofia.
Todos, agora, voltavam seus olhares para nós e para as rígidas palavras proferidas pelo professor que, insistente e pausadamente, pedia-me que guardasse o celular. Eu, que acabara de sair do êxtase de ser descoberta, não entendia o que ouvia e, por impulso, escondi-o debaixo da mesa.
Paralisada no tempo, sentia as palavras perderem-se enquanto os passos do mestre se aproximavam, até que eu, timidamente, retirei-o debaixo da mesa. Para surpresa do professor, e de todos, não possuía celular, mas tinha em mãos meu eterno amor: um livro.
Naquele momento, sob o sorriso do educador, tal qual um padre realiza a cerimônia de casamento, tivemos nosso amor abençoado e permitido, mas nada mais era como antes, pois, agora todos sabiam sobre nós. Senti-me envergonhada, exposta, pois no mundo em que vivemos, ninguém costuma ler. Era eu a garota estranha que carregava um livro para todo canto que ia. Vi-me, então, como a menina do conto de Clarice Lispector: “não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.”