A noite, berço dos escritores insones e refúgio das almas solitárias, nos traz o brilho do dia que se encerra e a indubitável certeza de uma nova alvorada. Ao amanhecer, nem todos os olhos se abrirão, alguns despertarão para a verdadeira vida, e dormirão eternamente no que um dia lhes foi abrigo terrestre. Ciclos iniciam e terminam o tempo todo, mas quem disse que gostamos de finais? Atrelada à vida, a morte — terrível consequência de viver.
Eu era jovem demais para entender, na época, este processo que nos envolve sem pedir permissão. De repente vi-me ali, estarrecida, diante da palidez e da imobilidade, da luz das velas e da coroa de flores, do tudo e do nada, entre flashes de memórias que eram cortados por insistentes lágrimas que nasciam do coração e, só depois, alcançavam os olhos.
Entre flashes, recordo-me de certa tarde, de cada passo ao seu lado, e como os seus olhos pararam por minutos eternos ao contemplar a paisagem. Julguei que o motivo para tal fosse o cansaço, porém, só depois compreendi que ela já sabia, muito antes de mim, a brevidade em que seguiriam os seus dias. Éramos nós e o silêncio. A voz doce e macia, que me acalentava, repousava agora sobre aquela imensidão divina, e assim fazíamos uma calma “procissão”.
Então uma porta branca se abriu e você foi primeiro. Curiosa, fiquei espiando por uma pequena abertura e pude vê-la caminhar num majestoso campo florido, assim como as flores que costumava cultivar em seu jardim. Acredito que tudo foi feito à sua espera.
Seus passos continuavam calmos e seus olhos contemplavam a vastidão e beleza daquela paisagem etérea. Nada me disse, mas eu podia ler o seu olhar e sabia que estávamos nos despedindo. Agora, permanecíamos ali, tão próximas, porém, tão distantes; iluminadas pela chama da vela. As lembranças emocionam-me e despertam em mim o desejo de que pudesse ler estas mal traçadas linhas de minhas memórias. Restam aqui a solidão, as lembranças, e este pedaço de papel em que escrevo.
Vejo findar outubro, e novembro, em seus primeiros dias, nos lembra a importância da vida e de construir agradáveis momentos com aqueles que amamos. Assim como recordo aquela tarde, sei que muitos outros, na data que se aproxima, trarão saudosas lembranças daqueles que não estão mais entre nós.
Quanto mais penso, mais sinto a necessidade de fazer da vida a calma duradoura que muitos esperam obter post mortem. Pois, que certeza tenho eu de alcançá-la? Faço minhas as palavras de Shakespeare: “E ‘você’ aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.”
Escrevo e me deito, incerta de que meus olhos vislumbrem o amanhecer de um novo dia. A insônia, minha companheira recorrente, insiste em debater esses assuntos comigo. Fecho os olhos, a noite me abraça, vejo a porta branca. Não sei quando ela se abrirá para mim. A insônia sorri, reviro os olhos, me levanto da cama, volto a escrever. No papel me confronto, consolo, expresso, e ali está meu “requiem aeternam!”