Retalhos do interior
Numa de minhas andanças resolvi fazer paragem na casa de uma estimada amiga, na zona rural de Ipiranga. A estrada de chão era longa, salpicada por casebres onde mais adiante iam se intercalando plantações de milho e fumo. A casa de pínus ficava à beira da estrada de chão, cercada pela mata nativa, podendo-se contemplar a extensão da longa plantação de fumo que era a vizinha da frente.
A paisagem era deslumbrante e o ângulo do relevo permitia a visão de um entardecer único, as árvores diminutas deitavam-se em sombras que se estendiam pela plantação, os raios de sol batiam de chapa pela vegetação e iam morrendo manhosamente. Os porcos grunhiam num cercado distante da casa, guapecas caramelo latiam e espojavam-se pelo terreiro junto às crianças, a mulher ligeiramente ia atiçando o fogão a lenha e preparando a comida. Acompanhados de um café bem forte havia farinha, carne suína, feijão e arroz. Enquanto deixava a comida borbulhar, sentava-se à mesa na área da casa e contava a vida, exaltando as recentes modificações e ampliações da casinha.
Toda aquela simplicidade e alegria convidativa propiciavam um ambiente digno de querer fazer morada, mas bem se sabem as dificuldades da vida no campo. Horas exaustivas no trabalho com a plantação deixando consumir-se pelo sol escaldante sem descanso, traços sendo marcados, entre rugas e cicatrizes o suor. Tentativas inúmeras de um trabalho melhor na área urbana, mesmo assim a estrada, até lá, morre-se em quilômetros exaustivos.
A mulher sorridente corria para arrumar a casa, arrumar coisas que não se arrumam, pensar no almoço sobrando para o jantar, cuidar dos filhos desejando a eles um futuro melhor, quem sabe longe dali. Escondidos em sorrisos, ansiolíticos e antidepressivos em uma prateleira da cozinha.
Apreciei a comida simples e fiz elogios sinceros, desejei ter um cantinho assim para morar também, admirava-me a simplicidade e alegria, porém, atentei às dificuldades não contadas, as lágrimas perdidas e pensei “que gente forte! ”
Alguém sorrindo exclamou: “— Que vida boa vocês têm aqui!” E os moradores daquela humilde residência na região rural se entreolharam sem jeito, suspiraram, sorriram frouxo e um deles respondeu: “Pois é!” Propagando-se pela estrada poeirenta, aquelas palavras ecoavam tal qual vento assoviando no campo. “Pois é!”
Escrito no âmbito do projeto da ALCG