Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2024

Coluna Lettera: ‘Retalhos do interior’, por Francielly da Rosa

2021-11-21 às 10:56

Retalhos do interior

Numa de minhas andanças resolvi fazer paragem na casa de uma estimada amiga, na zona rural de Ipiranga. A estrada de chão era longa, salpicada por casebres onde mais adiante iam se intercalando plantações de milho e fumo. A casa de pínus ficava à beira da estrada de chão, cercada pela mata nativa, podendo-se contemplar a extensão da longa plantação de fumo que era a vizinha da frente.

A paisagem era deslumbrante e o ângulo do relevo permitia a visão de um entardecer único, as árvores diminutas deitavam-se em sombras que se estendiam pela plantação, os raios de sol batiam de chapa pela vegetação e iam morrendo manhosamente. Os porcos grunhiam num cercado distante da casa, guapecas caramelo latiam e espojavam-se pelo terreiro junto às crianças, a mulher ligeiramente ia atiçando o fogão a lenha e preparando a comida. Acompanhados de um café bem forte havia farinha, carne suína, feijão e arroz. Enquanto deixava a comida borbulhar, sentava-se à mesa na área da casa e contava a vida, exaltando as recentes modificações e ampliações da casinha.

Toda aquela simplicidade e alegria convidativa propiciavam um ambiente digno de querer fazer morada, mas bem se sabem as dificuldades da vida no campo. Horas exaustivas no trabalho com a plantação deixando consumir-se pelo sol escaldante sem descanso, traços sendo marcados, entre rugas e cicatrizes o suor. Tentativas inúmeras de um trabalho melhor na área urbana, mesmo assim a estrada, até lá, morre-se em quilômetros exaustivos.

A mulher sorridente corria para arrumar a casa, arrumar coisas que não se arrumam, pensar no almoço sobrando para o jantar, cuidar dos filhos desejando a eles um futuro melhor, quem sabe longe dali. Escondidos em sorrisos, ansiolíticos e antidepressivos em uma prateleira da cozinha.

Apreciei a comida simples e fiz elogios sinceros, desejei ter um cantinho assim para morar também, admirava-me a simplicidade e alegria, porém, atentei às dificuldades não contadas, as lágrimas perdidas e pensei “que gente forte! ”

Alguém sorrindo exclamou: “— Que vida boa vocês têm aqui!” E os moradores daquela humilde residência na região rural se entreolharam sem jeito, suspiraram, sorriram frouxo e um deles respondeu: “Pois é!” Propagando-se pela estrada poeirenta, aquelas palavras ecoavam tal qual vento assoviando no campo. “Pois é!”

 

Escrito no âmbito do projeto da ALCG

Coluna Lettera

por Francielly da Rosa

Francielly da Rosa é graduada em Letras Português e Inglês pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Atualmente, é mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, com ênfase em estudos literários, também na UEPG. Ela é escritora, cronista e coautora do livro "Crônicas dos Campos Gerais". Descobre, entre as palavras que lê e escreve, a motivação que sustenta seu viver. Escreve crônicas, contos, poesias e, às vezes, se aventura no gênero romance. Além disso, participa de projetos de incentivo à leitura e de outras atividades culturais. Possui diversas crônicas premiadas e publicadas em jornais e sites locais. Em virtude de seu trabalho como escritora, recebeu duas moções de aplauso da Câmara Municipal de Ponta Grossa. Também foi premiada no Festival Literário de São Caetano do Sul, na categoria miniconto, sendo a única representante da cidade de Ponta Grossa.