Saúde!
Tive o desprazer de manifestar, nas últimas semanas, sintomas da nova chaga que devasta os quatro cantos do mundo. Dirigi-me até o pronto atendimento e por lá permaneci longas e duras três horas. Ainda tenho em meus olhos a face pálida e cansada daqueles enfermos. Em meus ouvidos ainda ecoam as inúmeras vozes que, ao bom ouvinte, relataram, quase todos, os mesmos sintomas. A cabeça exausta, aos rodopios, mal podia deixar-me a sós com meus próprios pensamentos, mas ainda pude ouvir aquelas vozes, ver aqueles rostos, e o descontentamento geral que manifestavam pela demora de atendimento.
Em outras circunstâncias, estaria absorta em alguma leitura de um pequeno livro para passar o tempo, porém, no fundo da bolsa, contemplei apenas a foto horrível do RG e os outros documentos. Era uma das raras ocasiões em que o deixei em casa, e tanta falta fez o companheiro de sempre. Nenhum panfleto, nenhum papelzinho sequer em que pudesse reter os olhos e afastar, mesmo que dificultosamente, o mal-estar que pairava sobre minha cabeça. Em falta de maior entretenimento, dediquei-me a estudar aquelas pessoas tão curiosas.
Eram doentes de todos os tipos: os que declaradamente tinham sintomas muito leves, talvez atingidos por uma gripe comum, porém, claramente estavam ali pelo atestado. Outros visivelmente doentes e cansados, fato confirmado pela postura em que estavam sentados nas poltronas, e as marcas escurecidas ao redor dos olhos. Talvez os piores doentes que observei foram os impacientes e ansiosos. Eram pessoas entrando e saindo várias vezes seguidas, fazendo qualquer gesto com as pernas ou mãos que nitidamente comprovavam sua agitação e ansiedade. No pior dos momentos, os impacientes levantaram a voz e agrediram verbalmente os atendentes, exigindo atendimento prioritário, com base em alegações que levavam em conta o “nível” de seu mal-estar.
A verdade é que doente não tem tempo para discutir, tão pouco desrespeitar outra pessoa que tão gentilmente atende um público de mais de cinquenta pessoas, expondo-se ao risco iminente de contágio. Muitos deles já se contaminaram, alguns provavelmente estavam em casa naquele momento, afastados do trabalho pela doença, o que gerou a diminuição do quadro de funcionários, e, consequentemente, a demora no atendimento.
Não é preciso estudos avançados para observar o comportamento humano e compreender algumas coisas, mas o que mais me intriga é um fator talvez indiscutível. Com as festas de final de ano o número de casos suspeitos aumentou consideravelmente, assim como aumentaram as viagens, festinhas, e inúmeros estabelecimentos comerciais lotados. Será que as pessoas esqueceram que o risco ainda existe ou elas simplesmente não se importam mais? Talvez as pessoas tenham se acomodado ao fato de poder usufruir de um sistema de saúde público e gratuito que irá socorrê-las ao primeiro sintoma.
Recostei-me na poltrona. Em meus pensamentos passeavam uma série de afirmações, deduções e fatos absorvidos daquele ambiente agitado. Conclui que o que nos falta não são mais funcionários da saúde, mas empatia, respeito e cuidado. Cuidar de si é cuidar do outro! Minha rotina, que já era normalmente restrita aos cômodos de casa, com saídas apenas em necessidade e tomando todos os cuidados, fez-se ainda mais enclausurada.
Hoje completo dez dias longe do meu filho, ouço os vizinhos em festas que prolongadamente perturbam-me os ouvidos. Alguém não se cuidou e o mal recai sobre todos nós.