Simplesmente Maria
Orações ecoam no silêncio, no vazio dos bancos da igreja. Elas também ecoam nas ruas, nas palavras soltas e desajeitadas que perambulam entre as multidões, no momento em que os olhos se elevam aos céus e dizem e pedem e rogam.
No vazio do grande salão paroquial, o silêncio. Almas invisíveis rogam, preenchem o vazio dos bancos. Uma senhora chega, curva-se, murmura palavras baixas, depois, vai andando vagarosamente até o altar. Os braços cheios de sacolas penduradas. Aproveitou para passar na feira, e, quando retornava, encontrando as portas da igreja abertas, entrou e demorou-se lá alguns minutos. Rogou a Deus pelo filho, pelo neto, pela vizinha, e foi enumerando os vários membros da família.
Depois, pensou no que faria para o almoço. Arroz… feijão… aí lembrou que rezava e, rapidamente, retomou as palavras que lhe foram ensinadas ainda na infância. “Santificado seja o…” Mas bem que Deus podia curar o compadre José que sempre foi tão boa pessoa, pensou. E endireitar o neto Gabriel que só tem andado em má companhia. E Deus abençoe que dê certo de ir visitar a Bete amanhã, faz tempo que não vejo… pensou e sentiu pena. “Assim na terra como no céu…” Como será que é o céu, né?! Se bem que pela idade já tô perto de conhecer… A gente não é nada nessa vida! Soltou um riso baixinho, aí lembrou que estava na igreja, ajoelhada perante o altar. Olhou para um lado, olhou para o outro, olhou para trás e não encontrando ninguém que pudesse ter visto o seu pecado, voltou para a reza. Juntou as mãos, olhou fixamente para a imagem no altar e, como se a imagem tivesse olhado de volta, baixou os olhos, envergonhada.
Levantou-se com dificuldade, soltando um gemido que se confundiu aos estalos das articulações do corpo frágil. Sentou-se no banco. Olhou as sacolas ao lado. Tinha que chegar em casa e imediatamente colocar as batatas para cozinhar, pois demoram. As bananas estão muito boas, maduras. Não dá pra esquecer das bananas porque logo preteia. “Se as banana pretiá eu faço uma cuca, pensou.” Suspirou. “Ai, que dor nos joeio.” Levantou. “Vou-me embora. Tá na hora.” Fez o sinal da cruz, sorriu. A imagem no altar quase lhe sorriu em retorno. “Já vou, meu paizinho… Perdoe a veinha, paizinho…” E, tomando as sacolas em mãos, entre um suspiro longo e pesado, saiu cantarolando baixinho alguma cantiga religiosa. Depois, lembrava de pedir mais uma vez. “Paizinho do céu, perdoa nois…” Voltou a olhar para a imagem mais uma vez, a última vez. Sorriu. Sabia que o Pai perdoava. Enquanto saia, a imagem sorriu de volta para ela. Disse. Amém, Dona Maria!