Velhos amigos
Enfim, o sol surgiu, dissolvendo as nuvens baixas e densas que povoaram o céu de nossa cidade por uma longa semana. Saí de casa, apesar de certa resistência, às sete e quarenta e cinco e fui descobrindo o silêncio de uma cidade ainda adormecida. As ruas pela manhã transmitem um sentimento gélido de paz. Um ou outro transeunte vai cortando o pavimento num passo apressado, com as mãos ocultas nos bolsos do casaco. O “bom dia”, cumprimento custoso a ser dito por muitos, continua sendo entre as pessoas apenas um gesticular rápido de cabeça; depois, os olhos voltam a mirar a calçada irregular. Talvez a culpa seja das calçadas. Se as calçadas não fossem irregulares e esburacadas, todos poderiam andar olhando uns nos olhos dos outros, e assim, o cumprimento matinal surgiria menos indelicado.
Após quinze minutos de caminhada, cheguei à praça onde há uma pequena banca de jornais. Em frente a banca, dois senhores conversavam. O vento frio vinha brincar com os cabelos brancos que restavam na cabeça calva de um, fazendo-o encolher os ombros e esfregar as mãos, que depois passava na moleira. O outro permanecia imóvel. Esse não reclamava da friagem no cocuruto, pois abrigava os cabelos grisalhos numa boina oitavada, que, junto ao casaco de lã verde escuro e longo, lhe conferiam ar de respeito.
Enquanto isso, um menino maltrapilho aproximou-se deles, de modo que só notaram sua presença, uma presença quase insignificante, porque ele os abordou timidamente com uma caixa de goma embaixo dos braços magrelos. Tendo os pés soltos em uns chinelos encardidos muito maiores do que o seu número.
Um semblante carrancudo tomou conta de seus rostos. De certo pensaram: “Que criaturinha estranha era aquela que interrompia tão deseducadamente sua conversa?!” Os senhores se entreolharam e, olhando de soslaio para o maltrapilho, balançaram a cabeça negativamente. O menino saiu indiferente, arrastando os chinelos até o sinaleiro, onde estacou, brincando com a fumacinha que saía de sua boca.
Demorei-me assistindo a vida acontecer ali, enquanto vagarosamente seguia meu caminho. Logo, uma onda de ar gelado beijou-me o rosto, me lembrando que, apesar dos raios de sol coroarem o céu daquela manhã, o frio ainda imperava, e era preciso andar depressa. Encolhi os ombros, escondi as mãos nos bolsos do casaco e acelerei os passos para fugir da friagem. Aos poucos, aqueles estranhos que, por algum motivo banal, prendiam minha atenção, iam se distanciando e a praça ia ficando ao longe.
Olhei para trás num olhar de despedida. Eles ainda estavam lá, os dois senhores conversando na banca, e, naquele momento, um deles acendia um cigarro, enquanto um vira-lata chegava furtivamente, com a cauda balançando e a cabeça baixa. O cachorro abriu a boca num bocejo longo e esticou seu corpo delgado, em seguida, esfregou-se nas pernas deles. Ao percebê-lo, o senhor de boina se abaixou, sorriu um sorriso escondido entre os bigodes e acariciou a cabeça do guaipeca, enquanto o outro senhor procurava qualquer migalha de comida que lhe sobrara na bolsa para alimentar o animalzinho, acolhendo-o como se fossem velhos amigos. Do outro lado, o menino continuava parado no canteiro do sinaleiro brincando com a fumacinha que saía de sua boca.
Permaneci o dia todo com a imagem do menino em minha mente. Corroía-me a palavra indigesta. Quem sabe o encontre novamente pelo caminho em uma manhã fria, e possa acolhê-lo em gesto e palavra como se fôssemos, também nós, bons e velhos amigos!