A próxima reforma do governo Bolsonaro
Qual será a próxima reforma do governo Bolsonaro? Tomara que nenhuma! Antes de explicar o motivo de não desejar reformas econômicas, neste momento, é relevante apresentar algumas necessidades urgentes para que o Brasil tenha um caminho de crescimento sustentável e escape da chamada armadilha de renda média. Na década de 1960, a Coréia do Sul tinha uma renda per capita semelhante à do Brasil, mas conseguiu escapar desta restrição de crescimento, sendo um país desenvolvido atualmente, enquanto o Brasil teve apenas alguns “voos de galinha”.
Não são poucos os motivos do Brasil permanecer no nível de renda média. A dívida pública brasileira é muito superior à de outros emergentes (por exemplo, em 2018, o Chile tinha uma dívida pública bruta de 22% do PIB, enquanto a do Brasil era 83%). Qual o problema disso? É que todo ano, o Brasil tem um alto custo do serviço da dívida (pagamento de juros) sendo que este dinheiro poderia ser usado em educação, por exemplo. Além do mais, o desequilíbrio fiscal tem origem principalmente no crescimento acelerado da despesa pública, em especial, previdência, assistência social e folha de pagamento. Outro problema é a carga tributária, que além de alta (35% no Brasil, enquanto no Chile é 20%) é complexa. O Banco Mundial aponta que empresas brasileiras estão entre as que gastam mais tempo para calcular e pagar impostos.
Além da preocupação com o lado fiscal do governo, o Brasil também tem que se preocupar com o aumento da produtividade e a democratização do crédito. Ganhos de produtividade possibilitam um crescimento de longo prazo. Mas como aumentar a produtividade? Melhorar a qualidade da educação, principalmente, das crianças. Mas este é um caminho longo e complexo, que nunca deve ser perdido de vista. Por outro lado, abertura econômica (aumentando a concorrência no mercado interno e diminuindo custos de produção), racionalização da regulamentação econômica, privatização das empresas estatais, melhor governança das estatais não privatizadas, revogação de subsídios para os projetos que não haja justificativa do ponto de vista do bem-estar da população, racionalização do sistema tributário, flexibilização da legislação trabalhista e melhoria na qualidade dos serviços públicos, contribuiriam para que os recursos escassos sejam melhor alocados, isto é, aumento da produtividade.
No mercado de crédito, seria importante uma maior atenção aos financiamentos mais baratos, com prazos mais longos, em especial, para pessoas de baixa renda, pequenas empresas e novos negócios. Ao mesmo tempo, reduzir o crédito direcionado, ter um menor ativismo dos bancos públicos, aumentar o nível de informação sobre a capacidade de pagamentos dos tomadores, estimular a entrada de novos ofertantes de crédito e fornecer maior segurança jurídica.
Pelo exposto acima, o Brasil vem sofrendo por falta de reformas necessárias para escapar da armadilha da renda média. Mas, há diversos fatores que atrapalham e até impedem o andamento e o bom resultado de uma reforma. O primeiro deles é que os ganhos são difusos e as perdas concentradas, isto é, quem ganha com a mudança não tem consciência disso, e se tem, não é capaz de se organizar para defender a mudança. Já a minoria que perde é bem-organizada, muitas vezes por meio de sindicatos ou associações (de funcionários ou patronais) com capacidade de fazer “barulho” e até mesmo lobby. Outro problema é que reformas possuem custos de curto prazo e ganhos de longo prazo. E a sociedade atual não quer assumir o custo para que a próxima geração tenha um maior bem-estar. Além disso, reformas complexas, demoradas e sobrepostas ficam vulneráveis a mudanças de cenários políticos e à formação de coalizões de grupos prejudicados.
Mas, o maior problema está na “semidemocracia”, pois possui maior dificuldade em realizar reformas e está mais sujeita a contrarreformas. Já governos em situações extremas, autoritários ou democracias plenas, mostram maior capacidade de realizar reformas. Além disso, sistemas eleitorais que elegem mais de um representante por distrito em um sistema de proporcionalidade de votos, tendem a abrir espaço para partidos minoritários. Isto força o Poder Executivo a formar coalizões com divergências de interesses, o que enfraquece a capacidade de aprovar reformas que afetem interesses constituídos e grupos de pressão relevantes.
Portanto, um país com as características expostas acima deve desistir de realizar reformas? Não, pois existem janelas de oportunidades. A mais evidente é a eleição de um novo governo, que ao contar com o efeito “lua de mel” (efeito da alta aprovação dada nas urnas) vê as tradicionais restrições serem temporariamente enfraquecidas. Outra janela de oportunidade é o surgimento de uma crise econômica (recessão, aceleração da inflação, crise de balanço de pagamentos, entre outras). Pois, na crise, todos tendem a perder renda e segurança econômica, e a cooperação em favor de privilégios é interrompida abrindo espaço para reformas.
Resumindo, o Brasil está em uma posição menos favorável para reformar já que é uma “semidemocracia”, estando sujeito a múltiplos vetos e grande influência de grupos de pressão antirreforma. Uma saída seria as janelas de oportunidade, mas, como todos sabem, o Governo Bolsonaro está entrando no seu último ano. E a crise da pandemia, que poderia ser uma janela de oportunidade, foi desperdiçada por idealismo sem sustentação, ameaças à democracia e geração de incertezas. Uma proposta de reforma tributária em discussão no congresso é a PEC 45/2019 que, entre outras mudanças, busca instituir um IVA que será denominado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição a cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) o que diminuiria o gasto de tempo das empresas no cálculo e pagamento de impostos, ou seja, um alto ganho de produtividade. Mas o Governo insiste na PL nº 2.337/2021 que trata de alterações na tributação sobre a renda. Na visão de muitos analistas, esta PL é uma contrarreforma. Logo, seria melhor deixar as reformas para a próxima janela de oportunidade, ou seja, um novo governo.