Texto de autoria de Francielly da Rosa, professora da rede municipal de Ponta Grossa e estudante de Letras na UEPG. Produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais, da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).
A VIDA PELA JANELA
“Bom dia, Ponta Grossa!” dizia o rádio anunciando a chegada de mais um dia. As vozes que outrora traziam boas notícias agora eram temidas. Após ouvir o obituário a avozinha silenciosamente desligava o rádio, dirigia-se até a televisão e repousava um pequeno copo de água enquanto esperava o padre iniciar a missa. Em harmonia com a reza vinda da televisão, um pequeno sabiá, parecendo adivinhar o horário, pousava em seu portão e, da janela, ela permanecia assistindo aquele gracioso show.
Em sua casinha sempre recebia a visita dos filhos, netos e irmãos. Preocupava-se com a situação da pandemia, mas não sabia dizer não às visitas tão queridas. Incomodados com aquela preocupação considerada exacerbada, alguns insistiam em convencer a avozinha a não ter medo de um simples vírus, amparando-se em teorias e boatos equivocados. A pobre senhora juntava as mãos como quem reza em silêncio e começava a se questionar sobre os fatos que ouvia: “Será?”.
Pela janela via a vizinhança movimentada andando tranquilamente pelas ruas, sem máscaras, sem preocupações, sorridentes e confiantes. Aos poucos viu a cidade iniciar um de seus momentos mais delicados da pandemia, os hospitais cheios, o longo obituário passava a ter rostos conhecidos, as recomendações eram rebatidas raivosamente pela população. Cada dia mais ela tinha certeza da escolha que fez: acompanhava a vida pela janela.
E permaneceu em sua casinha, cuidou-se como pode, cuidou de seus próximos, aconselhou. Porém em uma manhã sentiu-se mal, algo que sentia há dias, porém não se incomodou com isso. Abriu a janela e percebeu que o ar custava a entrar, tentou respirar fundo, mas era difícil, fechou os olhos por um minuto, ouviu o cantar do sabiá no portão, sentiu os raios de sol acariciando-lhe a pele, olhou pela janela as crianças brincando, os vizinhos festejando e pensou: “Será?”.
Amanheceu mais um dia, a janela não se abriu, o rádio e a TV desligados, o copo no armário, os filhos chegaram como de costume, mas a casa desfez-se no silêncio fúnebre da despedida. Assim a família positivou para o vírus, para o lamento e a culpa e, da janela daquela pequena casinha a vida já não se vê, restando apenas o cantar do sabiá que canta pra gente acordar.