Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa. Produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais, da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).
DIVAGANDO
Fim de festa no clube campestre. As luzes começam a apagar-se. Somente a lua cheia ilumina fracamente as mesas onde há pouco houvera uma comemoração. O silêncio impera, os convidados se foram. Toalhas de linho branco usadas em eventos especiais refletem a luz da lua, pratos com resquícios do que foi servido, algumas taças de vinho tombadas sobre as toalhas, pingos do líquido roxo a manchá-las de rosado. A piscina silenciosa adornando o cenário parece alheia ao que acontece. Tocados pela brisa, objetos infláveis balançam suavemente na água azul, da piscina do Verde.
Tiro o paletó, deixo a gravata mais frouxa, e me sirvo de mais uma taça de vinho. Vou degustando-o lentamente, sozinho com meus pensamentos. Sobre a mesa um saca-rolhas, objeto de utilidade única. Tomo-o nas mãos e passo a analisá-lo, entre um gole e outro, observando seus detalhes aos quais nunca havia dado importância. Uma alça para apoiar a mão com firmeza e uma sucessão de curvas, como uma serpentina, até a ponta aguda e cortante. As ranhuras do saca-rolhas se engancham na cortiça da rolha e arrancam-na como um fórceps. Gritos de alegria, taças ao alto e vivas a algum fato que se esteja comemorando.
O vinho é uma bebida socialmente aceita por homens e mulheres. Ao redor da mesa num almoço familiar o vinho acompanha a tradicional macarronada. Se alguém chama para uma pizza é comum que um convidado chegue com uma garrafa do indefectível líquido. Por sua cor intensa o vinho denota paixão, é um elemento de sedução e de conquista. Fatalmente estará na taça de alguém que se embriague de amor e se desiluda com ele. Baco, deus do vinho, foi o primeiro a sentir o sabor da bebida feita com a uva cruelmente amassada e depois fermentada.
Continuo manipulando o objeto e lembro da música de Roberto Carlos sobre as curvas da estrada de Santos. Quase uma analogia a um saca-rolhas. Como voam meus pensamentos! Passam pela Chácara Sozim, produtora de uvas, de suco e de vinho coloniais, usando técnica artesanal herdada dos antepassados. Pelas parreiras com enormes cachos trapezistas. Pela Fesuva, nossa tradicional festa anual da uva que busca fomentar a produção familiar da fruta. Pelas delícias comercializadas numa feira organizada pela cidade.
Minha taça está vazia e a alma leve. O sol pede licença para assumir seu turno enviando os primeiros raios dourados. Carrego meu paletó num ombro só e caminho pela rua deserta em direção ao centro de Ponta Grossa.