Texto de autoria de Alfredo Mourão de Andrade, aposentado do Serviço Público Municipal de Ponta Grossa.Produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais, da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).
SANT’ANA: ENTRE A FÉ E AS GOSTOSURAS
Atravessando a Praça Floriano Peixoto em Ponta Grossa, por volta do meio dia, de repente ouço conhecida cantoria (ou acho que ouço!) vinda da imponente Catedral de Sant´Ana. Arrepios me percorrem. Vozes de um tempo distante: memória afetiva recheada de fé, odores e sabores. Busco abrigo em um banco da praça, pois as pernas tremem. A musicalidade preenche e abafa o burburinho dos carros, o falatório dos transeuntes. A catedral de vitrais coloridos vai-se desvanecendo ao sol do meio dia. Diante de mim surge a antiga catedral, teimosa em deixar resíduos da sua exuberante arquitetura. As pesadas portas abrem-se e escancaram o louvor: “Ó Sant´Ana aceitai os louvores / desse povo devoto e gentil.” E bem ali, a alguns degraus do meu flashback, vejo e ouço (ou imagino ver e ouvir!) os fervorosos cantores do Coro Vozes Madrigal, regidos por Gabriel de Paula Machado. Rivalizando-se com a sonoridade divina do órgão de tubos. Emocionado, me pego cantando baixinho pra não chamar a atenção dos passantes.
Aos idos quinze, dezesseis anos me transporto. Festivamente. Contava meses e dias para a chegada de julho: festa da Padroeira. Novena. Quermesse. Feriado da santa. Aquele frenesi de gente indo e vindo. Então me preencho de cheiros e sabores. Tudo bem ali. Na mesma praça: barraquinhas de gostosuras, bandas musicais, foguetório. Então me calo e me arrepio (de medo) diante dos atuais dias incertos, sem cheiros e sabores ao alcance dos sentidos.
Feriado de Sant´Ana. Pela manhã, os católicos acorriam às ruas centrais, por onde desfilava alegórica procissão: o belíssimo andor e a imagem da mãe e sua filha. Um primor de encher olhos e coração. À frente vinham as freiras, as noviças, em seus hábitos engomados, caminhando em fileiras. Depois dezenas de padres com suas túnicas branquíssimas. À frente do andor a banda musical, as crianças vestidas de anjos, o bispo Dom Geraldo Pellanda. Por último, o povo de Deus acompanhando cantos e rezas em seus rádios de pilha. De repente me vi cercado de fiéis.
Sentado naquele banco me revejo saudoso (e feliz!). Tanta coisa mudou. As décadas (invasivas e nada sutis!) transformaram a cara da cidade e das pessoas. Ali parado minh´alma reverbera o canto divino, ao odor do incenso, ao som do órgão de tubos, ao canto dos animados coralistas: “Salve Sant´Ana Senhora! Sois padroeira bondosa / desta cidade formosa / que vossas bênçãos implora!” Amém!