Quinta-feira, 02 de Maio de 2024

D’P Enfoque: Divisores de águas

2023-10-16 às 13:49
Pintura de Jean Baptiste Debret, datada de 1790, que supostamente retrata a Ponta Grossa do século XVIII. Foto: Reprodução

As primeiras notícias sobre a ocupação do território onde hoje está situada a cidade de Ponta Grossa são de 1704, quando Pedro Taques de Almeida requereu uma sesmaria no território paranaense. Foram quase 120 anos até que o pequeno povoado fosse reconhecido como freguesia, em 1823. De lá para cá, já se passaram 200 anos de uma história marcada por progresso e desenvolvimento contínuos. Nesta matéria, três especialistas destacam as datas mais importantes da história de Ponta Grossa 

Por Michelle De Geus

1713: OS PRIMEIROS HABITANTES

Assinatura de Diogo da Costa Rosa, um dos primeiros povoadores de Ponta Grossa. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

Diogo da Costa Rosa e seus irmãos, os padres Christóvão e Estêvão, foram os primeiros povoadores de Ponta Grossa. Eles eram naturais de Paranaguá e, a partir de 1713, começaram a povoar a região com gado, plantações e mineração. “Essas áreas eram formadas por milhares de hectares e se situavam onde o rio Verde se encontra com o Pitangui, e deste rio abaixo até o Tibagi, enlaçando o exato local onde hoje se encontra a cidade de Ponta Grossa”, detalha o juiz aposentado e escritor Josué Corrêa Fernandes, autor de inúmeros livros sobre a história da cidade e da região.

Poucos anos mais tarde, Diogo casa-se e doa grande parte das terras às suas três filhas: Isabel da Costa Rosa, casada com o português Domingos Martins Fraga; Maria da Costa Rosa, casada com o também português Francisco da Silva; e Maria de Oliveira Rosa, consorciada com Miguel Alves de Faria. Esses três casais se mudam para a região e constituem os primeiros núcleos de moradores com residência efetiva. “Os familiares de Diogo, fixados definitivamente nas antigas sesmarias, têm filhos, netos e bisnetos que, por sua vez, abrem outras frentes e fazendas, atraindo pessoas de fora e, assim, dando início ao povoamento efetivo de Ponta Grossa”, explica.

SÉCULO XVIII: CHEGADA DOS TROPEIROS 

Pausa para descanso: entre idas e vindas, os tropeiros ajudaram a construir Ponta Grossa. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

No século XVIII, os paulistas eram responsáveis pelo transporte de diversos produtos entre várias regiões do país. Os mantimentos eram carregados no lombo de muares e boa parte dos animais era obtida no Rio Grande do Sul. “A renda vinda dos tropeiros atraiu um pequeno comércio ao longo do chamado Caminho das Tropas, e os fazendeiros locais tiravam renda, também, do pouso dos tropeiros e do aluguel de terras para o descanso das tropas até chegarem a Feira de Sorocaba, onde os animais seriam vendidos”, conta a professora Aída Mansani Lavalle, doutora e livre docente em História Econômica do Brasil. Nesse período, Ponta Grossa passou a fazer parte do Caminho das Tropas, acontecimento decisivo para o crescimento do povoado. “Isso tornou a cidade conhecida. Muitos donos de tropas eram fazendeiros locais, o que contribuiu para um início de comércio na região”, acrescenta.

1729: CONSTRUÇÃO DA CAPELA SANTA BÁRBARA

Primeira construída na cidade, a Capela Santa Bárbara está ligada à presença dos jesuítas na região. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

A história Capela de Santa Barbara, a primeira construída na cidade, está ligada à presença dos jesuítas na região. Em 1727, a sesmaria de Itaiacoca foi doada à Companhia de Jesus, onde os religiosos estabeleceram a Fazenda Pitangui. Vendo o crescente movimento dos tropeiros, eles se apressaram na construção de uma capela e a dedicaram a Santa Barbara. “A sua localização, muito antes de surgir o povoado de Ponta Grossa, deve-se ao Caminho do Maracanã, que começava nas terras da capela até a Fazenda Capão Alto, para atravessar o rio Iapó. Mais tarde, quando os padres, então donos dessas terras, impediram a passagem pelo Capão Alto, a estrada passou pelas terras de Ponta Grossa”, detalha Lavalle. A Capela de Santa Bárbara era então uma edificação simples, feita de pau a pique e reboco, coberta com telhas trazidas de Paranaguá. “Durante muito tempo, ela foi o único recurso dos tropeiros e fazendeiros locais para cumprirem os seus ritos religiosos”, destaca.

1741: O NOME PONTA GROSSA

Ponta Grossa já era conhecida por esse nome desde, pelo menos, 1741. Na imagem, um panorama da cidade do início do século XX. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

Alguns cronistas sugerem que o nome “Ponta Grossa” foi escolhido nas primeiras décadas do século XIX. Segundo a lenda, fazendeiros locais se reuniram para decidir o local onde seria construída uma capela em devoção a Santa Ana, avó de Jesus, e fixar o marco inicial da povoação. Incapazes de decidir, eles resolveram soltar duas pombas e iniciar o povoado onde elas pousassem. Mas Josué Corrêa Fernandes explica que essa denominação é ainda mais antiga. “Domingos Martins Fraga, genro do pioneiro Diogo da Costa Rosa, ao adquirir de seu concunhado Miguel Alves de Faria a parte das sesmarias que lhe foram doadas pelo sogro, alude expressamente à paragem de Ponta Grossa na escritura de 18 de novembro de 1741, lavrada em Curitiba”, conta. “Isso leva a crer que o nome já existia antes, cuja área, com as suas divisas e confrontações, engloba o atual contorno geográfico da cidade”, aponta.

SÉCULO XIX: A CASA DE TELHAS

Caminho para Castro, a Casa de Telhas servia como ponto de parada e descanso para os tropeiros e abrigava um oratório. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

A Casa de Telhas representou o início do novo caminho para Castro após o fechamento da Estrada do Maracanã, que era percorrida por viajantes que vinham do Rio Grande do Sul trazendo tropas e que atravessavam o povoado rumo a São Paulo. Alguns fazendeiros reclamavam da passagem dos tropeiros por suas terras, e por conta disso surgiu um trajeto que entrava na cidade, ao sul, pela atual rua Augusto Ribas (antiga Rua das Tropas) e saía em direção ao norte, pela avenida Rocha Pombo. “O meu pai me levou um dia à avenida Rocha Pombo, na vila Vilela, dizendo que os antigos falavam que ali era a Casa de Telhas. Esse fato, se confirmado, mostra a influência dos tropeiros, que puderam continuar o seu relacionamento com a Igreja”, conta Lavalle. Além de servir de ponto de parada e descanso para os tropeiros, a Casa de Telhas abrigava um oratório, em que o vigário de Castro rezava missas e realizava casamentos e batizados. Foi também ali que aconteceu pela primeira vez a leitura da ata que elevou Ponta Grossa a Freguesia, assinada por Dom Pedro I em 1823.

1823: DE BAIRRO A FREGUESIA

Em 15 de setembro de 1823, Ponta Grossa foi elevada à condição de freguesia. Na imagem, a região da atual praça Barão de Guaraúna no início do século XX. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

Após a ocupação e povoamento das antigas sesmarias de Diogo da Costa Rosa, iniciou-se espontaneamente a formação do pequeno bairro de Ponta Grossa. “Entre a última metade do século XVIII e os primeiros anos do XIX, Ponta Grossa já começava a ganhar ares urbanos com a fixação não apenas dos herdeiros dos primeiros habitantes, mas também de outras pessoas, que enxergavam novas oportunidades na região”, conta Fernandes. Nesta época, Inácio dos Santos foi designado como a primeira autoridade policial e foi a criada a Companhia de Cavalaria de Ordenanças para manter a segurança local. “Isso encorajou diversos fazendeiros locais a pleitearem a condição de freguesia a D. Pedro I, justamente no conturbado período da independência de Portugal”, comenta. O monarca protelou, mas acatou o pedido, e, no dia 15 de setembro 1823, foi criada a Freguesia de Ponta Grossa, sob a proteção de Santa Ana.

1855: A VILA E O MUNICÍPIO 

Documento com a Lei nº 34, que elevou Ponta Grossa à condição de vila e município desmembrado de Castro.

“Embora a elevação a freguesia tenho renovado o ânimo dos moradores, a ligação com Castro ainda perdurava e criava alguns obstáculos ao progresso de Ponta Grossa. Então, o próximo passo era a elevação a município e vila, com a completa autonomia política e administrativa”, relata Fernandes. Os pedidos foram feitos, e somente 32 anos depois, com a criação da Província do Paraná, é que o benefício foi alcançado. A Lei nº 34, de 7 de abril de 1855, firmada por Zacarias de Góes e Vasconcelos, criou e mandou instalar o município de Ponta Grossa como território desmembrado de Castro. A primeira Câmara de Vereadores, presidida por Joaquim Procópio de Souza Castro, foi instalada em dezembro de 1855.

1893: CHEGADA DAS FERROVIAS

Chegadas em 1893, as ferrovias trouxeram progresso à cidade. Na imagem, a Estação Ponta Grossa (atual SESC Estação Saudade) no início do século XX. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

A chegada dos trilhos mudou a história de Ponta Grossa. A primeira ferrovia, a Estrada de Ferro do Paraná́, que conectava Ponta Grossa a Curitiba e ao litoral paranaense, foi inaugurada em 1893. Apenas três anos mais tarde, em 1896, era a vez da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul chegar ao município. As ferrovias trouxeram progresso, modernidade e diversidade cultural para a região.

1894: CERVEJARIA ADRIÁTICA

Em 1928, a Cervejaria Adriática (cuja chaminé pode ser vista no lado esquerdo da imagem) produziu a sua primeira cerveja Original em Ponta Grossa. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

O nome do alemão Heinrich Thielen está indissociavelmente ligado ao da Cervejaria Adriática, um dos maiores símbolos da identidade ponta-grossense. A história da cervejaria se iniciou em 1894, em Curitiba. Mais tarde, foi aberta uma filial em Ponta Grossa. Até 1911, a fábrica produzia apenas duas qualidades de cerveja, uma clara e outra escura, ambas em alta fermentação. Em 1928, utilizando equipamentos trazidos de seu país natal, Thielen produziu a primeira Original, uma cerveja com corpo leve e sabor suave. “Os Thielen cresceram muito, geraram empregos, construíram uma fábrica modelo e os seus produtos são ainda lembrados. Fizeram nascer com vontade a indústria cervejeira da cidade”, destaca Lavalle. A unidade de Ponta Grossa deixou de operar em 1994 e foi reativada em 2015, para a produção da cerveja Adriática, inspirada na história da cervejaria.

1912: A PRIMEIRA ESCOLA PÚBLICA

Fundado em 1912, o Grupo Escolar Senador Correia (atual Colégio Estadual Senador Correia) foi a primeira escola pública da cidade. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa

A criação da primeira escola pública ampliou o acesso da população à escolarização e deu início à história da educação pública em Ponta Grossa. O Grupo Escolar Senador Correia, como era chamada inicialmente, foi a única escola oficial do estado instalada na região durante 15 anos e, mais tarde, receberia o nome de Colégio Estadual Senador Correia. “Antes de 1912, havia diversas escolas particulares em Ponta Grossa e professores remunerados pelo poder público que trabalhavam em casas escolares, geralmente alugadas”, explica o professor Jefferson Mainardes, doutor em Educação, destacando ainda a criação da Escola Normal de Ponta Grossa, em 1924, que permitiu a formação de professores.

1949: CRIAÇÃO DA FACULDADE ESTADUAL DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS

 

Criada em 1949, a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras deu origem à Universidade Estadual de Ponta Grossa. Foto: Acervo Osmario Ribas.

A criação da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa, em 1949, representou um marco na interiorização do Ensino Superior no Paraná. “Na década de 1940, Ponta Grossa vivia uma efervescência cultural, e a criação de cursos superiores emergiu como uma das necessidades da época”, comenta Mainardes. A criação da faculdade, no governo Moisés Lupion, foi resultado do esforço de várias lideranças da época, especialmente de Lourival Santos Lima, Mário Lima Santos, José Pinto Rosas, Valdevino Lopes e Faris Michaele. Anos mais tarde, a faculdade se juntou a outras instituições já existentes, formando a Universidade Estadual de Ponta Grossa, em 1969. “É difícil imaginar o que seria da cidade de Ponta Grossa sem a UEPG, visto que a universidade alterou o cenário cultural, político e econômico não apenas da cidade, mas dos Campos Gerais”, avalia.

1949: PRIMEIRO ROMANCE ESCRITO POR UMA MULHER NA REGIÃO

Emília Dantas Ribas, primeira mulher a publicar um romance nos Campos Gerais, intitulado “A primavera voltará”. Foto: Acervo Osmario Ribas.

Emília Dantas Ribas foi a primeira mulher diretora da Escola Normal de Ponta Grossa e começou a publicar poemas e crônicas na década de 1930, em jornais. Em 1949, ela publicou “A primavera voltará”, considerado o primeiro romance publicado por uma mulher nos Campos Gerais. “A publicação desse romance foi importante, pois abriu espaço para que a literatura produzida por mulheres fosse reconhecida e valorizada. Não deve ter sido fácil para ela ter conseguido publicar o romance”, opina Mainardes. O livro foi reeditado em 2022, pela Editora UEPG, como parte das comemorações dos 200 anos de Ponta Grossa.

1954: CRIAÇÃO DA ORQUESTRA SINFÔNICA DE PONTA GROSSA

Apresentação da Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa no Clube Guaíra. Ao centro, o maestro Paulino Martins Alves. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa.

A Orquestra Sinfônica Cidade de Ponta Grossa (OSPG) foi criada em 1954, sendo a orquestra mais antiga do Paraná e a segunda mais antiga do interior do Brasil. Segundo Lavalle, desde a sua fundação, a orquestra foi empolgante em todas as suas apresentações. “Lembro-me que, nos anos 50, a minha família nunca perdia um concerto, e as apresentações mais importantes eram sempre no dia 15 de setembro, no Clube Guaíra. Se não chegássemos bem cedo, não conseguíamos entrar”, recorda. “Era um grande espetáculo com valores locais”, acrescenta. Em sua trajetória, a OSPG já recebeu solistas de renome, executou repertórios memoráveis de música clássica, realizou parcerias com nomes da música popular e foi responsável pela formação de centenas de músicos.

1971: PLANO DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

Reunião na Prefeitura Municipal, na década de 70, durante a gestão de Cyro Martins, para discutir o Plano de Desenvolvimento Industrial de Ponta Grossa. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa.

Na década de 1970, Ponta Grossa começou a investir de forma maciça na industrialização. Por meio da Lei 2.157, sancionada na gestão do então prefeito Cyro Martins, foi criado o Plano de Desenvolvimento Industrial de Ponta Grossa (PLADEI), que tinha como objetivo oferecer estímulos fiscais e outros benefícios para estimular a vinda de grandes indústrias nacionais e multinacionais para a cidade. “Até então, a economia girava mais em torno de atividades agropecuárias, comércio e serviços. A atração de indústrias modificou o perfil da cidade, contribuindo para o seu desenvolvimento”, aponta Mainardes. Efetivamente, o PLADEI começou a funcionar em 1971, quando a Prefeitura Municipal adquiriu uma área junto à Rede Ferroviária Federal para a instalação do Distrito Industrial de Ponta Grossa, acelerando a vinda de indústrias de grande porte para a cidade.

1978: TÉRMINO DA DEMOLIÇÃO DA CATEDRAL 

O ano de 1978 marcou o término da demolição da antiga Catedral de Sant’Ana e o início dos preparativos para a construção do templo atual. Foto: Antigamente em PG/ Acervo Paulo José da Costa.

Em 1906, o arquiteto italiano Nicolau Ferigotti foi o responsável pelo projeto da antiga Igreja Matriz Sant’Ana, também conhecida como Catedral de Sant’Ana. Décadas depois, a construção imponente, que mesclava diversos estilos, começou a apresentar danos estruturais e não conseguia mais abrigar todos os fiéis. Para resolver esses problemas, o bispo Dom Geraldo Pellanda deu início a um ambicioso plano de modernização. Em 1977, o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico considerou que a construção era sólida, mas que não possuía excepcional valor artístico que justificasse o seu tombamento, e o processo de demolição foi concluído em 1978. “A demolição da antiga catedral causou revolta em uma parcela da população e alguma rejeição à modernidade do novo templo”, conta Mainardes. O planejamento era que a nova catedral fosse finalizada em seis anos, mas a construção só ficou pronta em 2009.

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Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #297