Segunda-feira, 16 de Junho de 2025

Enfoque D’P: O brado que vem dos palcos

2023-01-08 às 10:42

Mais de 25 mil pessoas marcaram presença na 50ª edição do Festival Nacional de Teatro, que soltou o grito da cultura e do encantamento em mais de 80 espetáculos realizados em locais como escolas, penitenciárias e, é claro, teatros

O reencontro dos artistas com o público marcou o retorno aos palcos do Festival Nacional de Teatro (Fenata), em 2022. Criado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em 1973, o Fenata promoveu, em novembro, a edição comemorativa de 50 edições. No pequeno intervalo de 8 a 13 de novembro, mais de 25 mil pessoas prestigiaram 26 grupos teatrais de todo o Brasil, em 85 apresentações, realizadas em 58 escolas, teatros, Penitenciária Estadual e outras instituições cadastradas.

Após dois anos em formatos adaptados à pandemia, este ano o festival voltou a ser 100% presencial. Para o reitor da UEPG, professor Miguel Sanches Neto, o Fenata de número 50 retomou mais do que o formato dos espetáculos: reativou o grupo de teatro universitário e, entre tantas outras inovações, ofereceu formação aos artistas, com oficina ministrada por Fátima Ortiz e Juliana Spricigo. “Tivemos um festival com peças de altíssimo nível, avaliadas por um júri incrível, que contou com a participação brilhante de Guta Stresser, um talento paranaense”, afirma.

A comemoração da edição histórica culminou com o Cine-Teatro Ópera lotado na noite de domingo (13) para a solenidade de premiação, que teve como espetáculo convidado “O Grande Circo Místico”. A obra, inspirada no poema de mesmo nome do poeta Jorge de Lima, do livro “A Túnica Inconsútil” (1938), foi composta por Chico Buarque e Edu Lobo especialmente para o Balé Teatro Guaíra, em 1982. A produção e realização desse espetáculo tem a parceria do Projeto Broadway, a primeira escola de teatro musical no Paraná.

“Tivemos um festival com peças de altíssimo nível, avaliadas por um júri incrível”, afirma Miguel Sanches Neto, reitor da UEPG. Imagem: “Vereda da Salvação” (Cia Beradeiro), vencedora de Melhor Espetáculo Adulto, Melhor Direção e Melhor Atriz Coadjuvante

Premiação

Os artistas e as peças participantes da mostra competitiva foram premiados em 14 categorias. O espetáculo “Vereda da Salvação” (Cia Beradeiro) conquistou o prêmio principal, Melhor Espetáculo Adulto, e outros dois, Melhor Direção (Fabiano Amigucci e Fagner Rodrigues) e Melhor Atriz Coadjuvante (Beta Cunha). O Melhor Espetáculo Adulto – Júri Popular foi para “Leões, Vodka e um Sapato 23” (Cia de 2), que conquistou também o troféu de Melhor Figurino (Chris Galvan).

De forma inédita, a maior parte dos vencedores participou da cerimônia remotamente, mas Fábio Freitas, representante da companhia Teatro de Anônimo, único artista que estava presente no encerramento, pôde receber em mãos os três troféus conquistados pelo espetáculo “O Cão Chupando Manga”: Melhor Ator, Melhor Texto Original e Melhor Iluminação (Guinga Ensa).

“O Pequeno Príncipe”, primeiro espetáculo bilíngue do festival, em libras e português, também conquistou os prêmios de Melhor Atriz, pela atuação de Catharine Moreira, e Melhor Ator Coadjuvante, com Lucas dos Santos. O espetáculo “PaPeLê – Uma Aventura de Papel”, da Téspis Cia de Teatro, foi duplamente contemplado, com Melhor Espetáculo Infantil e Melhor Sonoplastia. A Melhor Cenografia ficou com a Cia Talagadá, por “Monstro e Cia”. E o artista Matheus Gonçalves levou para casa o reconhecimento pela Melhor Maquiagem, em “Caravela da Ilusão”.

O momento da premiação, do reconhecimento dos artistas e de sua arte, é o ponto alto da história que será contada para gerações futuras sobre a quinquagésima edição do Fenata, aponta Sanches Neto. “Os espetáculos vencedores, e também todos os que participaram das mostras paralelas à competição, de grupos locais e nacionais, a organização e os voluntários, os patrocinadores e os apoiadores, todos merecem a nossa reverência”, afirma.

O júri concedeu ainda um Prêmio Especial ao Grupo Nômade, pelo espetáculo “A Caravana dos Pássaros Errantes”, da categoria Teatro de Rua.

Peça “Leões, Vodka e um Sapato 23” (Cia de 2), vencedora de Melhor Espetáculo Adulto – Júri Popular e Melhor Figurino

Sentidos arrebatados

“Desde o êxtase da abertura, passamos por um processo de encantamento”, enfatiza, emocionada, a pró-reitora de Extensão e Assuntos Culturais da UEPG, Maria Salete Marcon Vaz. “Tivemos os nossos sentidos arrebatados a cada espetáculo, colecionando memórias que ficarão para sempre nos nossos corações”, avalia a pró-reitora, citando também os abraços entre anônimos e famosos; o som dos adultos caindo no riso; o silêncio dos estudantes de uma escola rural, ao assistir, pela primeira vez, a uma peça teatral; e a sincronia das mãos, dos gestos e das palavras ditas – e interpretadas – em libras e português. “Pelo que vimos de inovador e por tudo aquilo que é tradicional, e que se repete a cada festival, podemos dizer pela quinquagésima vez: este Fenata foi um sucesso!”, destaca.

Nelson Silva Junior, coordenador do festival, por meio da Divisão de Assuntos Culturais da Proex, avalia que a 50ª edição do Fenata trouxe novamente para Ponta Grossa a emoção de um grande festival. “Foi um festival marcado pelo profissionalismo de atrizes, atores, técnicos, de produções que nos deixaram imagens e falas marcadas para sempre, escrevendo novas páginas na história do Fenata”, opina.

Com Vladimir Brichta, Julia Lemmertz, Marcio Vito e Claudio Mendes, a Quintal Produções (RJ) abriu o festival com o espetáculo “Tudo”

Retorno e homenagens

A 50ª edição também marcou o retorno do Grupo de Teatro Universitário (GTU), fundado por José Faria Moritz (1918-1997), ator e teatrólogo conhecido nacionalmente pelo nome artístico de Telmo Faria, que por anos esteve desativado. Telmo voltou a Ponta Grossa em 1973 para dirigir o GTU, a convite do primo, Álvaro Augusto da Cunha Rocha, então reitor da UEPG. Foi quando surgiu a ideia de fazer um grande festival de teatro amador.
Quem conta a história é o seu sobrinho-neto, Carlos Luciano Sant’ana Vargas, ex-reitor da UEPG (2014-2018). “Já nas vésperas de iniciar o primeiro Fenata, o Telmo, em um almoço de domingo em família, pediu ajuda da nossa turma para realizar o trabalho de recepção dos grupos, divulgação do festival na cidade, atuar como contrarregra e outras tarefas”, lembra.

Na última noite, antes de anunciar os espetáculos premiados, a organização homenageou Daniel Frances e Francisco Acildo de Souza, o Chiquinho, pelos anos de dedicação ao festival.

Na solenidade de abertura, a edição histórica lembrou de seus precursores. Daniel Frances homenageou as famílias de Fernando Durante e Gilberto Zardo (ambos “in memorian”). Durante (1958-2021) participou do grupo de teatro local Mergulho no Nascimento. Integrado às atividades da UEPG, Durante foi um dos principais fomentadores da cultura de Ponta Grossa. No Fenata, ganhou prêmios de Melhor Ator (1978) e de Espetáculo Infantil (1981). Foi ainda mestre de cerimônias em várias edições.

“Tivemos os nossos sentidos arrebatados a cada espetáculo, colecionando memórias que ficarão para sempre”, diz Maria Salete Marcon Vaz, pró-reitora de Extensão e Assuntos Culturais. Imagem: “O Grande Circo Místico”, peça do Projeto Broadway que marcou o encerramento do festival

Em grande estilo

Na noite de estreia, o Cine-Teatro Ópera recebeu o público, artistas e entusiastas do teatro para assistir ao espetáculo “Tudo”, da Quintal Produções, do Rio de Janeiro (RJ), peça convidada para abrir o festival. Apesar de já ter sido visto por 15 mil pessoas desde março de 2022, o espetáculo apresentado em Ponta Grossa foi inédito. Com a ausência da atriz Dani Barros (positivada com COVID-19), Vladimir Brichta, Julia Lemmertz, Marcio Vito e Claudio Mendes apresentaram a peça reformulada, com personagens incorporados às falas de cada um.

“Estamos fazendo a peça faltando uma peça”, brincou Brichta, junto ao elenco, antes de a apresentação começar. A adaptação aconteceu horas antes do espetáculo. “Nós adaptamos porque, quando queremos que o espetáculo continue, nós temos que adaptar”, acrescentou, mencionando que a vontade de se apresentar passou por cima da possibilidade de desistência. “Isso não seria legal, então nós adaptamos para não decepcionar o público.”

Pela primeira vez na sua história, o Fenata começou do lado de fora, antes da solenidade de abertura, no dia 8. Na fila para a entrada ao teatro, artistas locais realizaram uma intervenção, com roupas coloridas e rostos pintados – alguns, com pernas de pau, dançaram na rua XV de Novembro. A apresentação foi como uma parada artística, com o grupo caminhando desde o Museu Campos Gerais (MCG) até a entrada do teatro. A atividade reuniu artistas do Grupo de Teatro da Cidade de Ponta Grossa, Coro Cidade de Ponta Grossa e Grupo de Teatro Científico da UEPG, além dos artistas circenses Bruno Fernandes, Fabiano Gustavo e Roberto dos Santos.

Realização

O Fenata é realizado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e Fundação de Apoio à UEPG (FAUEPG), com patrocínio da GMAD, Deragro – empresa do Grupo Lavoro, Belgotex do Brasil, Tratornew e Palladium Shopping Center. Conta ainda com incentivo da Prefeitura de Ponta Grossa, por meio da Secretaria Municipal de Turismo (Setur) e do Conselho Municipal de Turismo (COMTUR). O Fenata tem apoio da Secretaria Municipal de Cultura, Teatro Marista Pio XII, Fecomércio – Sesc Estação Saudade e Museu Campos Gerais, e promoção da RPC.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #293 Novembro/Dezembro de 2022.